sábado, maio 17

ESTRUTURA RETÓRICA

PRAESCRIPTUM (1,1):

Inclui o nome dos emissários e da comunidade destinatária e a saudação.
-SUPERSCRIPTUM: Nesta parte da estrutura retórica, há a nomeação de Paulo, Silvano e Timóteo. «Paulo, Silvano e Timóteo»;
-ADSCRIPTIO: Há, nesta parte da estrutura retórica, os destinatários a quem o emitente escreve. “ à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica”.
-SALUTIO: Há, nesta parte final da praescriptum, a saudação. “ A vós, graça e paz”.

EXORDIUM (1,2-10):

Captar a benevolência dos leitores é uma função importante que nós podemos ver no exordium . “Dou graças” é a forma normal de exordium de carta de Paulo. podemos ver isto muito claramente no versículo 2 do primeiro capítulo. “Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações”. Sublinha-se a atitude fundamental que é de intenso louvor, de profunda gratidão e de claro reconhecimento de que Deus é protagonista.
A preparação dum terreno é importante no exordium. Conquistar o outro no seu campo é indispensável no exordium. Podemos ver isto muito claramente no versículo 1,4 “conhecendo bem, irmãos amados de Deus, a vossa eleição. O autor faz uma introdução a temática fundamental da carta: Dar graças a Deus porque os Tessalonicenses fizeram-se imitadores do Senhor acolhendo a Palavra em plena tribulação, com alegria do Espírito Santo (V.6). Tornado um modelo para todos os crentes na Macedónia e na Acaia (v.7) Por toda a parte se propagou a fama da vossa fé em Deus…………(v. 8-10).

PROPOSITIO (2,1-3,13):

A propositio ou tese é um outro ponto importante do esquema retórica que nós podemos ver na carta aos Tessalonicenses. Aqui Paulo narra-se o processo de evangelização dos tessalonicenses. “Irmãos, vós próprios bem sabeis que não foi vã a nossa estadia ente vós (2,1). Ele conta a memória sobre a comunidade desde as origens até ao momento presente. Esta memória tem o objectivo de animar a comunidade a permanecer fiel no meio das dificuldades.
Esta parte conclui adequadamente com uma invocação e um pedido de fidelidade até à vinda do Senhor: “que Ele confirme os vossos corações irrepreensíveis na santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus com todos os seus santos.” (3,13)

PROBATIO (4,1-5,11):

(A partir de capítulo 4, inicia a segunda parte (4,1-5,25). Nela aborda directamente algumas dificuldades concretas da comunidade, nomeadamente, a preocupação que a comunidade tinha sobre o destino dos mortos.)
São Paulo Começa por fazer uma lembrança das instruções dadas e da missão essencial, a da santificação “quanto ao resto ………………………… esta é, na verdade, a vontade de Deus – e já o fazeis – assim progridais sempre mais. Conheceis bem que preceitos vos demos da parte do Senhor Jesus. Esta é, na verdade, a vontade de Deus: a vossa santificação ( 4,1-3).
Fala das deficiências no comportamento social e moral que deve ter a comunidade “ que cada um do vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra, sem se deixar levar pelo desejo da paixão como os pagãos que não conhecem Deus…………………a respeito do amor fraterno não precisais que se vos escreva, pois vós próprios fostes ensinados por Deus a amar-vos uns aos outros” (4,4-12).
(A partir de versículo 4,13 o autor trata de assuntos relativamente a vinda do Senhor e destino dos mortos. São preocupação da comunidade. Podemos ver destino dos mortos (4,13-18) e da vida dentro da comunidade (5,1-22).

PERORATIO (5,12-24):

Peroratio é uma síntese final da Carta. “Pedimo-vos, irmãos, que reconheçais aqueles que se afadigam entre vós, que vos governam no Senhor e que vos instruem……………………prestai atenção a que ninguém pague o mal com o mal; procurai, antes, fazer sempre o bem uns para com os outros e para com todos……………afastai-vos de toda a espécie de mal” (5,12-22)

Paulo pede uma apelo a fidelidade da comunidade até à parusia “Que o Deus da paz vos santifique totalmente, e todo o vosso ser - espírito, alma e corpo - se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é aquele que vos chama: Ele há-de realizá-lo” (5, 23-24).

POSTSCRIPTUM (5,25-28):

Postscriptum é a parte da estrutura retórica destinada às saudações finais. Aqui nesta carta podemos ver além das saudações, recomendação e o voto finais: “25 Irmãos, orai também por nós. 26 Saudai todos os irmãos com o ósculo santo. 27 Advirto-vos no Senhor que esta Carta seja lida a todos os irmãos. 28 A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco”.

Daivadas V Thomas

O Estar com Cristo Crucificado

“Estou crucificado com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. E a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” (Gl 2,19b-20)
Na cruz, revela-se a profundidade da entrega de Jesus Cristo por nós, no cumprimento da vontade do Pai. Cristo Jesus se entregou por nossos pecados a fim de nos arrancar a este mundo do mal. O sentido profundo de sua entrega é o amor que o moveu em toda a sua vida. Amor a nós, cujo cume é sua entrega por nossos pecados, mas também e inseparavelmente amor ao Pai. A frase Paulina continua dizendo que a entrega de Cristo se realiza conforme a vontade de Deus que é nosso Pai, expressando assim, que o gesto salvador de Jesus manifesta sua obediência à vontade de Deus. Desse modo, o amor pelo qual Jesus Cristo se entrega livremente na cruz é a um só tempo amor a Deus e a nós. Em outras palavras podemos dizer que a cruz é o sinal pelo qual se manifesta a entrega total de Jesus Cristo ao Pai e a nós por amor.
Toda a vida de Cristo foi marcada por sua singular relação filial com Deus, pólo de sua existência e por uma convivência humana imbuída de amor e verdade. Sua vida de fé consistiu na absoluta confiança no Pai, mediante a qual ele fez de sua existência um constante “sim” a Deus, que se expressou de modo excepcional em sua entrega na cruz. Conforme o ensino Paulino ser justificado, isto é, ser feito justo diante de Deus, ser salvo é algo que recebemos exclusivamente pela fé de Cristo. De fato, Cristo se entregou por nós, manifestando, em última análise, sua fé, confiança absoluta no Pai cuja vontade é seu alimento. Por sua fé, Cristo alcançou-nos a salvação. Acreditando em Cristo que por sua fé realizou a nossa salvação amando-nos e entregando-se por nós, entramos em comunhão com ele. Nossa participação na salvação realizada por Deus no seu Cristo dá-se mediante a acolhida do dom de Deus, em continuidade com a experiência de Jesus.
Experimentando e reflectindo sobre a salvação realizada pela fé de Jesus Cristo, Paulo pôde dizer-se crucificado com ele. Como ele próprio dirá, estar crucificado com Cristo consiste em que o próprio Cristo viva nele. Isto significa concretamente que a acolhida do dom manifestado em Cristo Jesus nos une intimamente a Deus, estabelecendo uma relação pessoal de encontro e reciprocidade na qual Deus mesmo se torna o pólo de nossa existência assim como o foi na vida de Jesus.
Dado que esta relação nos é possível pelos méritos da fé de Cristo podemos, então, dizer que é ele mesmo que vive em nós. Unidos a ele, que viveu e se entregou por amor, nós vivemos seguindo seus passos, na perspectiva de fazer a vontade de Deus, fazendo de nossa existência humana uma oferenda de amor. No entanto, este modo de existir só nos é acessível por que o próprio Espírito de Cristo foi derramando em nossos corações (Cf. Gl 4,6) e nos envolve na dinâmica de sua vida, impelindo-nos a viver no amor de Deus e do próximo. A cruz de Cristo corrobora, portanto, tanto a tese da universalidade do desígnio salvador de Deus quanto a afirmação da própria justificação pela fé.

«Cheio do Espírito Santo»

A titubear Saulo entra na porta da cidade, segue pela rua direita, onde os ruídos se misturam com os odores das especiarias, e entra na casa de um certo homem chamado Judas, onde permanece três dias, sem ver, nem comer nem beber. Sente-se um fariseu virado de dentro para fora, não são os cristãos que estavam errados e tinham de mudar, mas ele, o discípulo de Gamaliel, preso à letra da Lei, que viu Jesus Ressuscitado e não pode seguir pelo antigo caminho. Estêvão tinha razão, não pedira ele ao Senhor Ressuscitado para não vingar a sua morte? Ananias, judeu convertido, piedoso e tímido, recebe a ordem de Jesus: «Levanta-te, vai à rua direita e busca em casa de Judas um homem de Tarso, chamado Saulo; eis que ele está orando» (Act. 9, 11). Ananias tem medo, esperava ser acorrentado por ele e levado a Jerusalém para ser julgado. Ele conhecia «os males que este homem fez em Jerusalém». Mas o Senhor diz-lhe: «Vai, porque este é um instrumento escolhido por Mim, para levar o Meu nome aos gentios, aos reis e aos filhos de Israel» (Act. 9, 15).Ananias obedece, entra na casa de Judas, impõe as mãos sobre Saulo e diz-lhe: «Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho onde vinhas, enviou-me para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo». Saulo recuperou a vista, levantou-se, foi baptizado, tomou alimento e recuperou as forças.Três dias de escuridão, fome e sede, como Jonas no ventre da baleia, como os dias que antecederam a Ressurreição de Jesus. Morreu o perseguidor, ressuscitou o apóstolo dos gentios. O acontecimento no caminho de Damasco não foi apenas a revelação de Jesus como o Messias esperado, mas também a certeza de que Saulo estava errado.Deus manifestou-lhe o Seu amor misericordioso, quando Saulo era ainda «blasfemo, perseguidor e insolente» (1 Tim. 1,13). A graça superabundou o pecado. O Deus de Abraão, Isaac e Jacob, enviou o Seu Filho Jesus para o justificar gratuitamente, sem mérito seu, porque «a plenitude da Lei é a prática do amor» (Rom. 13, 10; Gal. 5, 14).A ruptura com o seu passado foi total, mas continuou fiel ao seu Deus e ao seu povo, mas agora com «a preocupação por todas as igrejas». Saulo é um homem livre, escreveu aos Gálatas «foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Gal. 5, 1).Chamado por Jesus à vocação apostólica, Paulo vai formular na carta aos Romanos o seu caminho espiritual: «Tudo aquilo que acontece, nós sabemos, que concorre para o bem daqueles que Deus ama, para o bem daqueles que, segundo o Seu desígnio, foram chamados» (Rom. 8, 28). O génio de Hipona, Santo Agostinho, que passara por uma experiência semelhante para encontrar Jesus, comentou: «A graça deitou-o por terra e depois ergueu-o novamente».

sexta-feira, maio 16

A Problemática dos Gálatas

Não passou muito tempo depois da partida de Paulo, os cristãos judaizantes vieram argumentar que , a fim de ser um bom cristão, era preciso primeiro ser bom judeu, sendo circuncidado e observando outros preceitos da Lei.
Para entender a Epístola aos Gálatas, é necessário conhecer a situação histórica das Igrejas às quais Paulo escreve. A crise que obriga o Apóstolo a intervir não é um incidente de alcance local; é uma fase determinante na evolução da Igreja nascente.
Esta faz então uma opção decisiva, que deve efectuar para ser fiel à verdade do Evangelho e renovar em todas as épocas da sua história, em nome desta fidelidade.
Através dos Actos dos Apóstolos, nós tomamos conhecimento do papel representado por Paulo na difusão da Igreja. Ele é Apóstolo das nações, enviado de maneira especial aos pagãos(Act9,15; 22,21; 26,17), porém a sua missão esbarra na oposição constante de um meio de origem judaica, cuja tese é resumida por Lucas: "Se não vos fizerdes circuncidar segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos"(Act15,1). Esses judaizantes querem, portanto, impor aos fiéis de origem pagã o jugo da lei mosaica.
Os judaizantes seguem vivendo no mundo antigo e querem a ele reconduzir os gálatas; assim eles pervertem o Evangelho, baseando-se no Antigo Testamento, Paulo, ao invés, mostra que o Antigo Testamento só alcança o seu sentido autêntico quando Cristo cumpre o que Ele promete.
Ao receber as notícias da Galácia, Paulo se alarma e se indigna, porque isso vai frontalmente contra a essência da sua mensagem e da sua missão. Os judaizantes não pretendiam que os judeus convertidos continuassem observando a lei, e sim que oa pagãos convertidos a adoptassem como requisito de salvação.
Os judaizantes ensinavam argumentando que no Evangelho de Paulo era uma heresia perigosa: a lei não foi suprimida por Cristo: a salvação só é proveitosa aos gentios se primeiro se tornarem judeus e se submeterem a circuncisão e à lei.
Nenhuma de suas Epístolas está tão inflamada de cólera e de paixão como esta. Nesta Epístola , Paulo luta contra aguerridos e astutos inimigos da pregação cristã, isto é, contra o rabinismo e o legalismo judeu-cristão habilmente mascarado. Finalmente Paulo se defende contra as tentativas de solapar a cristologia e soteriologia do novo Testamento.
Paulo frisa dois pontos : a origem divina do seu apostolado e o poder salvífico do sacrifício de Cristo.
A indignação do Apóstolo explica o facto de que esta é a única das suas epístolas que não contém agradecimento inicial.
A agressividade de Paulo é perceptível desde o início. A brusca afirmação de autoridade e a ausência de qualquer palavra de elogio são muito insólitas no seu estilo. Entra logo no assunto e o faz com extrema franqueza. A questão é séria e pôe em perigo todo o edifício do Evangelho cristão. A agressividade e as doutrinas daqueles judaizantes levaram o Apóstolo, movido pelo Espírito Santo, a deixar claramente plasmado o ensino sobre a justificação pela fé e sobre a liberade cristã.

Quem são os Gálatas?

OS Gálatas eram um povo celta que havia imigrado no século III/IV a. C. da Gália para a região central e norte da antiga Ásia Menor (actual Turquia).
Fixaram-se no território que circunda Ancira (hoje Ankara). O último rei gálata, Amintas legou o seu reino aos romanos. No tempo de Paulo a província abrangia uma área muito mais vasta: toda uma região. O território foi missionário por
Paulo na segunda e terceira viagem.
Já sua primeira viagem missionária Paulo tinha entrado em contacto com eles, ao evangelizar o Sul da província. Mas foi, sobretudo na segunda viagem, entre anos 49 e 52, que Paulo pregou directamente entre eles, quiçá porque uma doença o obrigou a deter-se ali algum tempo. O acolhimento foi sumamente cordial e afectuoso: os Gálatas receberam-no como anjo de Deus, como se fosse o próprio Senhor Jesus; felicitavam o seu carinho com todos os meios. A recordação daqueles pormenores fazia dizer a Paulo que se fosse possível, vós teríeis arrancado os próprios olhos para me dar(4,15). Os gálatas eram uma população simples, prevalentemente de pastores, corajosos, nobres e, ao mesmo tempo, afectuosos e cordiais.

Filhos de Deus no Filho (Gálatas)

Com a conversão e a fé em Cristo, Paulo reconhece a igualdade entre todos diante de Deus, que pela fé são baptizados em Cristo não existindo mais diferença: todos passam a ser de Cristo, filhos de Deus no Filho. Pois essa fé é para todos, ou seja, qualquer pessoa pode se unir a Cristo na comunidade cristã. Paulo finaliza esses versículos resgatando a história da salvação ao remeter a Abraão, todos são da descendência abraámica, pela fé receberão o fruto da promessa, a justiça de Deus.
A espiritualidade desses versículos é grandiosa, é uma espiritualidade fundada na graça de Deus, acolhida pelo dom da fé e no encontro pessoal com a Pessoa Jesus Cristo, que nos torna seus discípulos e rompe com todas as barreiras das diferenças, do preconceito e da exclusão. O encontro com Cristo liberta para amar como Ele amou.
A justificação vem pela fé como também o amor, pois esse é a manifestação da fé. “Pois, em Cristo, nem a circuncisão vale alguma coisa, nem a incircuncisão, mas sim a fé que actua pelo amor.” (Gl 5, 6). A fé é o fundamento de tudo, mas ela não é descomprometida com o mundo e com o projecto do Reino de Deus anunciado por Jesus de Nazaré. A fé age pelo amor como aconteceu com Jesus, que alimentado pela intimidade com o Pai e no Espírito, como homem pleno, levou sua missão até o fim por amor. Jesus foi obediente e fiel ao desígnio do Pai pela fé no amor. Esse gesto é responsável objectivamente pela salvação da humanidade e torna o ser humano justo aos olhos de Deus. Paulo combate as obras da Lei, mas não as do amor, a fé leva ao amor, isto é, a agir como Cristo agiu sendo sempre seu discípulo que, por uma relação íntima espiritual com o Pai, recebe seus ensinamentos e seu Espírito. E se a fé em Cristo, segundo a Carta aos Gálatas passa por sua crucificação, morte e ressurreição, compreender sua mística, tendo em vista a justificação pressupõe realizar a experiência de estar com Cristo crucificado.

Ir além da Lei (Gálatas)

Paulo não é um destruidor da Lei como poderia parecer, numa leitura superficial da Carta aos Gálatas. Ele deseja mostrar a importância de ir além da Lei e chegar a Jesus Cristo, o ponto alto da obra salvadora de Deus na sua gratuidade de entrega por amor ao ser humano. A Lei teve sua nobre função, de preparar para a chegada do Filho de Deus. “Antes, porém, de chegar a fé, estávamos prisioneiros da Lei, estávamos fechados, até à fé que havia de revelar-se. Deste modo, a Lei tornou-se nosso pedagogo até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé.” (Gl 3, 23-24).
Como bom judeu, Paulo reconhece a grandiosa importância da Lei para o povo na perspectiva da salvação. A Lei guiou, orientou, educou e preparou para a fé em Cristo. Agora é preciso reconhecer a graça de Deus presente no Seu Filho que resgatou o homem da escravidão do pecado com sua morte e ressurreição. “Uma vez, porém, chegado o tempo da fé, já não estamos sob o domínio do pedagogo. É que todos vós sois filhos de Deus em Cristo Jesus, mediante a fé; pois todos os que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo mediante a fé. Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. E se sois de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.” (Gl 3, 25-29). Neste trecho, Paulo transmite, de forma belíssima e com grande convicção, sua própria experiência de fé, o seu Evangelho e permite acrescentar um dado novo ao primeiro encontro: todos são iguais pela fé em Jesus Cristo. Paulo não rejeita a Lei, ela foi pedagoga e o próprio Paulo é testemunha disso. Ele foi instruído pela Lei e viveu segundo suas obras até encontrar Cristo e receber a graça da fé. Antes da experiência de fé em Cristo, era um perseguidor dos cristãos e não gostava dos pagãos porque existiam diferenças: ser judeu era ser “povo escolhido” e significava ser melhor do que as outras pessoas as quais não podiam juntar-se aos judeus na fé porque não faziam parte da Promessa de Deus.

A Epístola aos Gálatas

A carta ao Gálatas completa o grupo das quatro Grandes Epístolas formado por Romanos e 1 e 2 Coríntios. Elas foram escritas durante a terceira viagem missionária, da primavera do ano 53 à primavera do ano 58. Gálatas foi escrita no ano 54 ou 55 segundo alguns biblistas durante longo tempo que Paulo ficou em Éfeso. Hoje em dia ninguém discute a autenticidade paulina delas. É inquestionável a unidade de doutrina, estilo e mentalidade, e transparece em todas a forte personalidade de Paulo. Entre as cartas paulinas, esta é uma das mais breves: tem mais ou menos a extensão da Epístola aos Efésios.
A Carta aos Gálatas assume particular interesse por sua notabilíssima contribuição à biografia de Paulo e à história das origens cristãs; por ser um quadro palpitante da complexa figura do Apóstolo.
Assim fazendo a nossa investigação não encontramos mais nenhuma carta nos fornece informações precisas e claras ou aplausiveis sobre o Apóstolo Paulo. Repare os primeiros capítulos constituem uma resumida autobiografia: educação no judaismo, conversão, as relações com os outros apóstolos, as experiências apostólicas, as lutas travadas desde o início pelo triunfo da liberdade cristã. Outras cartas relembram sem dúvida, estas lutas(Rm15,30ss; Fl1,15ss; sobretudo 2Cor e 2Tm), mas nenhuma nos informa com tamanha precisão sobre o seu alcance.
Esta, além do mais, completa de maneira feliz os Actos, dos quais determina melhor muitos pormenores colocados numa perspectiva diferente.
Por isso a carta nos esclarece a respeito da história da Igreja primitiva.
Em Galácia vemos a Igreja que vai conquistando a própria personalidade, desapegando-se progressivamente do judaismo, com o qual, de inicio, se confundia. Isto aconteceu não sem dificuldades, choques e hesitações internos superados, no entanto, sob a direcção do Espírito Santo. Gálatas , para além do testemunho de primeira mão sobre os factos em que se viu em sua volta o Apóstolo, mostra-se outrossim palpitante de vida. Assim como em 2Cor aí o seu coração se mostra abertamente: surpresa, indignação, tristeza, angústia, censura e severidade para com os adversários. Indulgência e ternura, pelas ovelhas tresmalhadas. A carta aos Gálatas é quiçá a mais esplêndida manifestação do gênio de Paulo.

quinta-feira, maio 15

«Quem és tu Senhor?»

Ao aproximar-se da cidade, subitamente aconteceu algo de novo que ninguém sabe explicar. Brilhou uma luz fulgurante, Saulo caiu por terra, vê a face de um homem celestial e ouviu uma voz misteriosa que lhe disse na língua dos seus antepassados: «Schaul, Schaul, porque Me persegues?» (Act. 9, 4). «Quem és Tu Senhor?», interroga Saulo. E a voz continua dizendo: «Eu sou Jesus, é a Mim que tu persegues. Levanta-te, entra na cidade, e aí dir-te-ão o que deves fazer».O perseguidor, meio paralisado, levanta-se, e não vê nada. Foi levado pela mão dos companheiros que ouviram a voz mas não viram o Senhor.A vocação de Saulo no caminho de Damasco, é narrada três vezes no livro dos Actos dos Apóstolos (9, 1-19; 22, 5-16; 26, 9-18). As narrações põem em evidência o choque violento, mas não descrevem o efeito interior do acontecimento.São Paulo, nas suas cartas, vai referir diversas vezes este episódio central da sua vida, momento decisivo da transformação de um fariseu em apóstolo dos gentios e da difusão do Evangelho (Gal. 1, 15-17; Filip. 3, 12). O apóstolo descobre no acontecimento do caminho de Damasco a sua vocação, semelhante à dos profetas do Antigo Testamento. Usa expressões iguais às da vocação de Isaías (Is. 49, 1-7; Jer. 1, 5).Na carta aos Coríntios (1Cor. 9,1) escreve Paulo: «Não sou eu apóstolo? Não vi eu a Jesus Nosso Senhor?» E explica este chamamento ao falar das aparições de Cristo Ressuscitado: «… fui visto em seguida, por todos os apóstolos; e por último, depois de todos, apareceu-me também a mim, como a um aborto» (1 Cor. 15, 8).Paulo quer mostrar que a aparição no caminho de Damasco não foi diferente das diversas aparições aos apóstolos, entre a Ressurreição e Ascensão. Há apenas uma diferença que Paulo, numa linguagem rude e única, aplica a si mesmo, ele é um aborto, ou seja uma criança arrancada ao ventre da mãe antes do tempo, porque o seu chamamento aconteceu de repente, sem ter vivido com Jesus durante a sua vida humana, condição para ser apóstolo.

«Saulo, Saulo, porque me persegues»

Após a morte de Estêvão, as autoridades de Jerusalém organizaram a perseguição aos cristãos. Os discípulos, principalmente os helenistas, judeus vindos do estrangeiro, dispersaram-se pela Judeia, Samaria, onde pregaram a nova mensagem; outros foram até mais longe, a Damasco, a ilustre e bela cidade da Síria, estabelecendo aí pequenas comunidades cristãs em centros habitados por judeus, grandes comerciantes que se sentiram ameaçados com a vinda destes convertidos ao «Nazareno». Com a caça aos cristãos, outros fugiram para Chipre, Fenícia e Antioquia. No plano de Deus, a perseguição levou os helenistas a afastarem-se de Jerusalém e a cumprirem o mandato de Jesus: «Ide por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda a criatura» (Mc. 16, 15). Saulo, conhecido pelo seu ardor e defesa da Torah, «respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor, apresentou-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, com o fim de levar presos para Jerusalém quantos adeptos deste«Caminho» encontrasse, homens e mulheres» (Act. 9, 1-2).
Saulo, com cerca de 29 anos tinha sabedoria e prestígio e agora queria poder e autoridade para cortar pela raiz aquele ramo do novo grupo que se estabelecera em Damasco. Como zelador da tradição, Saulo tornou-se violento em palavras e actos. Secretamente, este discípulo de Gamaliel, que estudava a religião cristã para a combater, sentia, como lhe dirá o Senhor, que «é duro para ti recalcitrar contra o aguilhão» (Act. 26, 14).

Paulo defendeu seu apostolado

O apostolado de Paulo não era de origem humana, porém por designação de Jesus Cristo; ele não consultou os apóstolos em Jerusalém antes de começar a declarar as boas novas; só três anos depois visitou a Cefas e a Tiago(1,13-24).
As boas novas que proclamava não foram recebidas pelos homens, mas por revelação de Jesus Cristo(1,10-12).
Por causa duma revelação, Paulo, com Barnabé e Tito, foi a Jerusalém para tratar da questão da circuncisão; não aprendeu nada de novo de Tiago, Pedro e João, mas estes reconheceram que ele havia recebido poderes para um apostolado para com as nações. (2,11-12).
A pessoa é declarada justa somente pela fá em Cristo, não por obras.
Se alguém pudesse ser declarado justo por obras da lei, a morte de Cristo não teria sido necessária.
Os Gálatas receberam o Espírito de Deus por terem aceite com fé as boas novas , mas não devido as obras.
Verdadeiros filhos de Abraão são aqueles que têm fé igual à dele.
Visto que aqueles que procuram mostrar-se justos por obras e não conseguem guardá-la perfeitamente, eles estão sob maldição.
A Lei não invalidou a promessa associada com o pacto abraâmico, mas ela serviu para tornar manifestas as transgressões e actuou como tutor, conduzido a Cristo

Manter-se firme na liberdade cristã
Jesus Cristo, pela sua morte, libertou os que estavam debaixo de lei, tornando possível que se tornassem filhos de Deus.
Retornar ao arranjo da observância de dias, meses, épocas e anos significaria retornar à escravidão e a uma posição semelhante à de Ismael, filho de Agar; ele, com sua mãe, foi despedido da casa de Abraão.(4,8-31).

Todos que crêem são filhos de Abraão (Gálatas)

Pela fé em Jesus Cristo vem a justificação, caso contrário, diz Paulo, sua morte teria sido em vão (Cf. Gl 2,21). A entrega de Cristo na cruz foi uma obra de amor, não uma obra de obediência à Lei. É pela fé na obra salvadora de Cristo que a humanidade é justificada. Aqui está o sentido objectivo da justificação pela fé e, dentro dele, a pessoa pode fazer uma experiência subjectiva de fé capaz de levar a crer na acção concreta e real de Deus em prol da humanidade.
Paulo, quando fala da fé, num primeiro momento, não se refere imediatamente à fé em Jesus Cristo, mas à fé em Deus, a fé dos pais. Para defender sua tese da justificação pela fé, vai resgatar a figura de Abraão, pai da fé no AT. Lembra que o patriarca foi justificado pela sua fé, não pelas obras da Lei. “Assim foi com Abraão: teve fé em Deus e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça. “Ficai, por isso, a saber: os que dependem da fé é que são filhos de Abraão.” (Gl 3, 6-7).
Abraão é o pai da fé, homem da promessa de Deus na qual todos seus descendentes serão abençoados. Abraão transmitiu a fé que todo judeu acreditava ter e, com ele foi abençoado. Todos que crêem são filhos de Abraão e, na fé, serão também abençoados. Aqui só encontramos fé, nada das obras da Lei para receber a bênção. Paulo usa esse argumento para validar seu discurso, pois Abraão era uma autoridade no seu contexto, uma autoridade no livro da Lei. Paulo usa palavras duras como maldição referindo-se aos que são pelas obras da Lei e não pela fé. “É que todos os que estão dependentes das obras da Lei estão sob maldição, pois está escrito: Maldito seja todo aquele que não persevera em tudo o que está escrito no livro da Lei, em ordem a cumpri-lo. E que, pela Lei, ninguém é justificado diante de Deus, é coisa evidente, pois aquele que é justo pela fé é que viverá.” (Gl 3,10-11).

A Justificação pela fé (Gálatas)

Sabemos, porém, que o homem não é justificado pelas obras da Lei, mas unicamente pela fé em Jesus Cristo; por isso, também nós acreditámos em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei; porque pelas obras da Lei nenhuma criatura será justificada” (Gl 2, 16).
A tese principal de Paulo sobre a justificação, dita em poucas palavras, é: somos justificados pela fé em Jesus Cristo e não pelas obras da Lei. Para defender sua posição, usará de argumentos da experiência de fé e argumentos analógicos, recorrendo a Abraão, homem de fé que, por ela, foi justificado, antes de existir a Lei. Esse tema perpassa praticamente toda a carta, mas é mais condensado nos versículos de que nos ocupamos. Justificação é um termo ligado à santificação. Deus torna a pessoa santa por graça; não é a pessoa que se santifica, por obra exclusiva sua. Mesmo com todas as falhas humanas, mesmo com o pecado, Deus pelo seu amor torna o homem inocente aos Seus olhos. Esta é a justiça divina e, por ela, o homem é justificado. O povo hebreu tinha essa concepção, mas ela foi se perdendo com a chegada da Lei dada a Moisés no Sinai. Começou-se a valorizar com certo exagero a Lei, que teve sua importância e Paulo o reconhece (cf. Gl 3, 23-24). O apego à Lei como algo jurídico ficou muito forte e se perdeu a noção interior do porquê observá-la. Esquece-se, assim, a experiência de fé, anterior à Lei. Para a maioria dos judeus a acção passa a ser feita de forma mecânica, nas obras da Lei, pelas quais seriam então justificados. Paulo vai de encontro a essa mentalidade e diz que não as obras da Lei, mas a fé é a responsável pela justificação. A contraposição presente em Gl 2,16, entre fé em Jesus Cristo e obras da Lei é uma constante em toda a carta, pois Paulo deseja romper com a Lei e mostrar o verdadeiro caminho, Jesus Cristo, que por sua morte nos libertou por obra e graça de Deus Pai.

A luta de um sofredor

Paulo era um homem preparado para o sofrimento, e isso era efectiva­mente a sua força. Nunca se poupou, nunca desistiu por dissabores ou desgostos, nem alguma vez almejou uma vida confortável.

Muito pelo contrário. Exactamente porque se expu­nha, porque não se poupava e se entregava à luta e se gas­tava por causa do Evangelho. "Quanto a mim, de bom grado darei o que tenho e dar-me-ei a mim mesmo total­mente, em vosso favor". Estas palavras da Segunda Carta aos cristãos de Coríntios (12, 15), revelam o mais íntimo deste homem.

Paulo não pensava que o principal objectivo da pastoral era evitar os problemas. Também não pensava que um apóstolo tinha de ter uma boa reputação. Não! Ele queria despertar, incomodar o sono das consciências, mesmo que isso lhe custasse a vida.

Dissemos antes que o seu êxito dependeu da sua disponibilidade para o sofrimento. Efectivamente devemos dizer que sofrimento e verdade andam juntos. Paulo foi combativo, porque era um homem da verdade. Mas, aquilo que de duradoiro cresceu das suas palavras e da sua vida aconteceu, porque serviu a verdade e sofreu por ela. O sofrimento é garantia necessária da verdade. E só a ver­dade dá sentido ao sofrimento.

A “Espada” de Paulo…

Para além do sinal de martírio, podemos acrescentar ainda um outro significado da espada nas mãos de São Paulo. Na Escritura a espada também é sinal da palavra de Deus, que "... é viva, eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes ... e discerne os sentimentos e inten­ções" (Heb 4, 12). Foi esta espada que Paulo levantou. Com ela conquistou os homens.

A "Espada" é definitivamente uma imagem para o poder da verdade, que é de natureza específica. A verdade pode doer, pode ferir - corresponde à natureza da espada. A vida na mentira, ou, simplesmente, a vida à margem da verdade parece mais cómoda do que a exigência do verdadeiro. Por isso, os homens irritam-se por causa da verdade, desejam detê-la, oprimi-la, fugir-lhe do caminho.

Quem pode negar que já alguma vez a verdade o tenha perturbado - a verdade sobre si mesmo, a verdade sobre o que devemos fazer ou deixar de fazer? Qual de nós pode afirmar que nunca tentou colocar-se à margem da verdade, ou não tentou ao menos adaptá-la a si, para que não fosse tão amarga? Paulo era incómodo, porque foi um homem da verdade. Quem se entrega totalmente à verdade e renuncia a qualquer outra arma ou actividade além dela, não será necessariamente condenado, mas andará muito próximo do martírio. Será sempre um sofredor. Proclamar a verdade, sem se tomar fanático nem justiceiro - esse será o grande compromisso.

No auge dos conflitos, talvez Paulo, por vezes, se tornasse um pouco azedo, próximo do fanatismo. Mas nunca se tornou num fanático. Encontramos, nas suas car­tas, textos cheios de bondade, sobretudo na Carta ao Fili­penses, que revelam o seu verdadeiro carácter. Podia manter-se livre do fanatismo, porque não se anunciava a si mesmo, antes revelava aos homens os dons que Outro lhes trazia: a verdade que vem de Cristo, que por ela entregou a vida, amando até à morte.

Também aqui devemos corrigir a imagem que temos de Paulo. Recordamos demasiado os textos combativos de Paulo. Algo semelhante acontece com a figura de Moisés: recordámos Moisés como homem infla­mado, inacessível e irado. No entanto, o livro dos Núme­ros diz que Moisés "era um homem muito humilde" (Nm 12, 3). Um leitor de todos os escritos de Paulo descobrirá um Paulo humilde.

O conflito entre Saulo e Estêvão foi violento

Estêvão, quando falava em público, atacava os assuntos pelo lado histórico, era convincente e genial. Provava pelos profetas que o Messias devia sofrer, condenar Jesus era condenar Moisés.Saulo estava devorado pelo fogo e zelo da Lei de Deus. Como era possível que um condenado à morte da cruz fosse o Messias? Não se lê no Deuteronómio que é «maldito todo o que pende do madeiro»? (Dt. 21, 23)Saulo enfrentava Estêvão mas este derrotava-o, «ninguém podia resistir à sua sabedoria» escreveu São Lucas no livro dos Actos (Act. 6, 10). Lei e Templo, dizia Estêvão, eram passagens intermédias na história da salvação.Com a calúnia de que blasfemava conta Deus e contra Moisés, o povo, anciãos e escribas, arrebataram Estêvão e levaram-no ao Tribunal religioso, o Sinédrio, junto ao Templo de Jerusalém. Apesar das acusações contra Estêvão, «todos os que estavam sentados no Sinédrio, viram o seu rosto como o de um anjo» (Act. 6, 15). O discurso de Estêvão arrasou a assistência, acusou-a de cegueira e surdez perante a pessoa de Jesus. «Homens de cabeça dura, incircuncisos de coração e ouvidos, vós resistis sempre ao Espírito Santo… a qual dos profetas não perseguiram os vossos pais? Mataram até os que prediziam a vinda do Justo, ao qual agora traístes e matastes» (Act. 7, 51 ss).O mártir é colocado ao longo de um muro mais alto do que um homem, e as pedras começam a cair sobre ele. Para facilitar este acto injusto e bárbaro, os homens colocam os seus mantos junto de Saulo que aprovava aquela condenação à morte.Ouve-se então a voz de Estêvão dizer: «Senhor Jesus recebe o meu espírito» (Act. 7, 59); antes de adormecer em Cristo exclamou: «Senhor não lhes imputes este pecado» (Act. 7, 60).Saulo resistia à graça, além de aprovar a morte de Estêvão, perseguia os cristãos. Queria calar a voz da consciência mas não conseguia silenciar a voz do sangue de Estêvão. Como fariseu observante da Lei, Saulo necessitava de ser derrubado das suas certezas. Cristo esperou-o junto da cidade de Damasco, deitou-o por terra, cegou-o com o fulgor da sua luz divina para lhe iluminar o espírito. «Não sou digno de ser chamado apóstolo, escreveu aos Coríntios, porque persegui a Igreja de Deus» (I Cor. 15, 9).São Lucas no livro dos Actos mostra como Estêvão percorreu o mesmo caminho de Jesus: foi apresentado diante do Sinédrio, acusado de querer destruir o Templo e tentar abolir a Lei, como Cristo foi morto, no último instante viu o Senhor de pé na glória de Deus e intercedeu pelos seus algozes. «Sem a oração de Estêvão, escreveu Santo Agostinho, a Igreja não teria Paulo».

quarta-feira, maio 14

Comunidade dos Romanos

fiel, a mentira faz parte dos homens e não de Deus. Os Judeus só devem confessar as suas próprias mentiras e proclamar que Deus é fiel nas suas palavras e acções. Vemos o que se passa com David Sl 89, 36”Jurei uma vez pela minha santidade; de forma alguma enganarei David”. A inconstância de David mostra como Deus é fiel. As infidelidades dos homens vão em direcção a Deus para a sua própria glorificação. Dito de outra maneira, podemos dizer que Deus sabe tirar proveito das faltas do homem.
O sentido consequente é que a injustiça dos homens faz estabelecer a justiça de Deus. O mal contribui para o bem, mas isso não é relativizar o mal…? A resposta deve ser entendida numa compreensão que é. «O julgamento é o último acto de Deus como governo, chefe.». Ou seja, A paciência de Deus é a chave da sua governação da história; Deus suporta o mal para o bem que espera, Ele é paciente com os pecadores, «não por causa deles, minimizando a sua falta, mas por causa do arrependimento que lhes espera». Ora, Deus é paciente e o mal parece se multiplicar; mas esta paciência é fundamentalmente a condição do arrependimento, este prepara o perdão. Assim, Deus triunfará sobre o mal àqueles que serão arrependidos …
Depois da problemática acerca da justiça de Deus, há também a questão da culpabilidade do homem; isto é, aquele que peca contra Deus, mas a paciência de Deus com efeito multiplica a possibilidade do pecador não ser responsável? O homem já não é inocente? De facto a questão já é resolvida. A paciência de Deus não é a causa do pecado, e também não visa um agravamento do pecado. Esta ideia seria absurda. O mal tem a ver com a acção humana, tem a ver com o acto…A noção de justiça tem o sentido de qualificação da situação do homem. Justiça designa a condição do homem apto a receber a vida. Há uma relação entre justiça e salvação. Justiça como dom, salvação, é ou quer dizer esta condição do homem estar apto em receber a vida que não tinha antes por estar em pecado. Deus quebra a ruptura que o homem tinha colocado a Deus por ter pecado. A justiça é o dom do próprio Deus

Comunidade dos Romanos

Comunidade dos Romanos
Rm 4, 23-25. “Não é só por causa dele que está escrito foi-lhe atribuído, mas também por causa de nós, a quem a fé será tida em conta, nós que acreditamos naquele que ressuscitou dos mortos Jesus, Senhor nosso, entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado para nossa justificação”. Rm 5,1. “Portanto, uma vez que fomos justificados pela fé, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo”.
“Uma vez que a rebelião contra Deus tinha colocado o homem sobre a cólera de Deus, fazendo que cada um fosse inimigo de Deus, a fé que acolhe a diligência de Deus em Cristo, mete o pecador ao benefício desta ruína de situação”. O crente é introduzido numa relação nova com Deus, que são caracterizadas por duas palavras: paz, acesso a graça. A um estado de inimizade surge a paz. Palavra que indica o carácter formal desta relação.
A paz de Deus não é a paz do cemitério, ela é um acesso a uma graça que abre as perspectivas que o pecado tinha impedido. O pecado tinha consumado uma ruptura, Cristo veio restabelecer a comunicação interrompida. Em Cristo, pela fé o crente encontra um caminho para se aproximar do seu Deus. Aproximação a Deus é a única esperança que faz com que a pessoa contemple a glória de Deus.
A dimensão desta esperança exprime-se de forma profunda com uma significação própria. a) A atitude típica do pecador é de se glorificar a si próprio, é de procurar a sua própria glória e apoiar-se nas suas próprias forças. É por isso que o pecado é por excelência a recusa de dar glória e graça a Deus como Deus. b) Esta atitude interior se manifesta na pretensão de ganhar a vida a favor de Deus, por aquelas obras que Paulo chama «obras da lei». Deus em Jesus manifestou a sua vontade de libertar o homem em totalidade.
A esperança suscita sempre uma contradição com o que se faz como actual, como momento. A esperança escatológica dos Judeus tinha sublinhado esta oposição do mundo antigo ao mundo novo, em escrevendo no esquema dos acontecimentos; isto foi para traduzir em termos da história uma verdade ontológica e psicológica, essencial a toda a teologia da transcendência. Em todo caso, a contradição, mesmo dolorosa entre aquilo que nós esperamos e aquilo que está presentemente, entre aquilo que somos e aquilo que seremos, tem como sentido enviar o crente a um único poder capaz de triunfar deste conflito. A fragilidade do homem faz aparecer a grandeza e a força de Deus. Esta é a experiência do apóstolo. O pecador é por definição um homem sem força…

A salvação é um dom a ser acolhido (Gálatas)

Outro aspecto a ser salientado na Carta aos Gálatas é que a salvação é um dom de Deus que vem a nós e a resposta que damos, a fé. Diante do pluralismo religioso, e do pulular de fundamentalismos religiosos, de observância de leis de cada segmento, como para nós católicos, Paulo nos edifica na fé testemunhando que a salvação é um dom a ser acolhido e não uma vitória que consigo por minhas próprias forças apenas cumprindo preceitos que elevam a categoria de eleitos. Todos pecamos. Não há diferença. Fomos todos redimidos gratuitamente pelo Filho de Deus. A resposta é a fé, o testemunho, a caridade.

Há lugar para todos (Gálatas)

Em Paulo percebemos que no abraço acolhedor de Deus há lugar para todos. A realidade do acolhimento nos mostra que é a partir da fé que nos tornamos participantes do amor divino. Embora pareça redundante escrever assim, a experiência da fé é que nos permite tal participação. O encontro com o Ressuscitado nos insere em uma nova realidade, a do Reino de Deus. A universalidade do desígnio de Deus instaura a nova ordem ética, preconizada já no primeiro encontro. A salvação que vem de Deus cria uma nova comunidade; homens livres em Cristo. Homens que deixaram a Lei e o pecado para viver a realidade do amor, que se expressa na caridade. A observância da lei gera individualismo. Eu tenho que cuidar de como a observo para poder me salvar. O outro está além do meu horizonte, o que não acontece na liberdade em Cristo, que me leva a agir pela caridade, englobando todos os humanos. Assim, desígnio de Deus e Reino de Deus são dois aspectos indissociáveis.
Deste modo Paulo nos oferece uma espiritualidade concreta, perfeitamente adaptável à nossa realidade histórica. Ele dá testemunho da historicidade do Verbo Encarnado em nosso meio, com o qual devemos fazer nosso encontro. Nossa vida na carne deve ser trespassada e testemunhar a nova realidade que o Filho de Deus veio nos anunciar: o Reino de seu Pai. Passamos a viver segundo o Espírito, não mais na escravidão da carne. A vida na carne deve dar testemunho dessa realidade totalmente nova.

“Não faz acepção de pessoas” (Gl 2,6)

É o próprio Paulo que nos ajuda a esclarecer o que há de mais importante nessa nova vida, o que suplanta todas as outras realidades existenciais: a realidade da fé que age pela caridade.
Posto isso, observamos que a acção de Paulo se dirige a todos os grupos que encontra. A pregação não se restringe ao espaço da sinagoga. Não há selecção de pessoas, não há grupo especial para se anunciar o desígnio de Deus, pois o Pai do Verbo Encarnado “não faz acepção de pessoas” (Gl 2,6), mas acolhe a todos, circuncisos e gentios, judeus e gregos, escravos e livres, homem e mulher. A esta observação se deve salientar o dado fundamental: a universalidade do desígnio de Deus se manifesta na comunicação divina, a todos que se reúnem em torno do Cristo que ressuscitou dos mortos e iluminou as trevas da humanidade com a luz da sua ressurreição.
O que determina nossa existência humana é a relação que estabelecemos com Aquele que operou em Pedro e Paulo a fim de que todos tenhamos acesso ao Reino; o relacionamento com o “Verbo que se fez carne e habitou entre nós.” Mediante essa realidade, todos os homens, sem distinção, acolhendo a graça da fé, participam do desígnio salvador de Deus. O que passa a importar nessa nova realidade é a adesão pessoal, livre e consciente do homem. Deus acolhe a todos os que se deixam seduzir por seu amor.

A comunidade dos romanos

A Comunidade dos Romanos.
“Vocação de Saulo” Actos 9, 10-22; 22, 11-16.
Toda a conversão realiza-se em dois passos separados, as vezes por um tempo longo, como aconteceu com Sto. A. Ora, existe a conversão da razão e a conversão do coração. «Sem a razão, a inteligência do coração humano e o sua recusa de se conformar a vontade divina se torna invisível”; mas é preciso uma certa emoção do sentimento para atrair a cura da vontade…». Paulo estava cego, ele foi conduzido pelos outros com muito cuidado. O ver individual muita das vezes é limitado, por isso, as vezes é preciso ajuda dos outros para vermos melhor. Há um grande acontecimento que se dá em Paulo, ele passa três dias sem comer, durante os três dias, ele estava quase morto perante o mundo exterior. Esses três dias que se situam entre a sua morte mística e a sua ressurreição espiritual pelo baptismo que recebeu, está na linha de uma analogia com os três dias de Jesus no túmulo. Paulo estava em vigília estava a espera de Deus, esta esperança, expectativa é já em si uma virtude difícil, a graça vem a seu tempo.
Uma outra realidade se revela nele, que é o novo nascimento, a vida nova. Ora, o princípio de economia divina da salvação quer que o homem seja conduzido para Deus…
Ananias, com a sua qualidade de discípulo tinha o dom da cura (Lc 10, 9) «Saulo, meu irmão acreditas que Jesus é o Messias e é o Filho de Deus?»; esta expressão «meu irmão», foi para Paulo sinal de uma grande alegria, porque foi pela primeira que lhe é dirigida desta maneira por um crente, «meu irmão). Paulo tornou-se um irmão diferente com uma capacidade de fazer aquilo que aos olhos das pessoas do seu tempo era difícil, apóstolo convertido com uma luz que nunca se apagará…
Uma retrospectiva sobre Paulo permite-nos entender que na carta aos Romanos ressoa e se encontra uma teologia Paulina. Todas as suas cartas tiveram um papel determinante na história da humanidade no Ocidente. «A justificação pela fé» torna-se um argumento essencial para Paulo, devido a polémica com o Judaísmo…

A vocação de Paulo

“Vocação de Saulo” Actos 9, 10-22; 22, 11-16.
Toda a conversão realiza-se em dois passos separados, as vezes por um tempo longo, como aconteceu com Sto. A. Ora, existe a conversão da razão e a conversão do coração. «Sem a razão, a inteligência do coração humano e o sua recusa de se conformar a vontade divina se torna invisível”; mas é preciso uma certa emoção do sentimento para atrair a cura da vontade…». Paulo estava cego, ele foi conduzido pelos outros com muito cuidado. O ver individual muita das vezes é limitado, por isso, as vezes é preciso ajuda dos outros para vermos melhor. Há um grande acontecimento que se dá em Paulo, ele passa três dias sem comer, durante os três dias, ele estava quase morto perante o mundo exterior. Esses três dias que se situam entre a sua morte mística e a sua ressurreição espiritual pelo baptismo que recebeu, está na linha de uma analogia com os três dias de Jesus no túmulo. Paulo estava em vigília estava a espera de Deus, esta esperança, expectativa é já em si uma virtude difícil, a graça vem a seu tempo.
Uma outra realidade se revela nele, que é o novo nascimento, a vida nova. Ora, o princípio de economia divina da salvação quer que o homem seja conduzido para Deus…
Ananias, com a sua qualidade de discípulo tinha o dom da cura (Lc 10, 9) «Saulo, meu irmão acreditas que Jesus é o Messias e é o Filho de Deus?»; esta expressão «meu irmão», foi para Paulo sinal de uma grande alegria, porque foi pela primeira que lhe é dirigida desta maneira por um crente, «meu irmão). Paulo tornou-se um irmão diferente com uma capacidade de fazer aquilo que aos olhos das pessoas do seu tempo era difícil, apóstolo convertido com uma luz que nunca se apagará…
Uma retrospectiva sobre Paulo permite-nos entender que na carta aos Romanos ressoa e se encontra uma teologia Paulina. Todas as suas cartas tiveram um papel determinante na história da humanidade no Ocidente. «A justificação pela fé» torna-se um argumento essencial para Paulo, devido a polémica com o Judaísmo…

COMUNIDADE DE FILIPOS – ANÁLISE SOCIAL

A comunidade cristã de Filipos era constituída na sua grande maioria por indivíduos de origem pagã. O exemplo mais elucidativo é o caso da conversão de Lídia – que Lucas refere no contexto de Act. 16, 11-40.
No texto da correspondência, Paulo alude a um conjunto de aspectos que parecem definir o contorno do ambiente social dos cristãos de Filipos: ambições, vaidades, interesses próprios (2, 2-4) e relacionamentos interceiros (2, 12-15) – que irão abalar a coesão interna da comunidade.
A par da unidade lesada, um outro problema marca o tecido social da comunidade: (talvez?) um grupo de indivíduos – que o apóstolo alude no texto da carta: «Cuidado com esses cães, cuidado com esses maus trabalhadores, cuidados com os falsos circuncisos» (3, 2). A origem deste problema parece residir, assim, num grupo de cristãos da comunidade provenientes do judaísmo. Como tal, e para terminar este post, defendiam que para se alcançar a salvação, a prática mosaica da circuncisão era indispensável: o que desvirtuava e colocava em causa os ensinamentos do apóstolo nos princípios fundadores da comunidade.

FILIPOS: APONTAMENTOS GEOGRÁFICOS

Este post ter por base um pequeno resumo da secção de uma obra que consultei, e que achei por bem partilhar a sua informação com os cibernautas deste blog: BOSCH, Jordi Sánchez - «Filipos y los filipenses», in: Escritos Paulinos. Estella: Editorial Verbo Divino, 1998, pp. 366-367.
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Inicialmente conhecida pelo nome de Crénides, recebeu o nome de ‘Filipos’ por iniciativa do pai de Alexandre Magno – Filipe.
Os romanos tomaram-na em 168 a.C. Em 32 a. C. a cidade foi repovoada por veteranos, tornando-se em colónia de direito itálico com o título Colonia Augusta Julia philipensium.
Dois aspectos devem ser salientados relativamente às potencialidades de Filipos: 1) cercada por mar e atravessada pela Via Egnacia (caminho até Roma para os que viajavam por terra), a cidade tinha um bom sistema agrónomo e uma boa rede de comércio; 2) devido à sua posição estratégica, proporcionava uma base sólida para o exército romano.
Segundo a indicação de Act. 16, 12 Filipos pertenceria à primeira região do território da Macedónia e, como tal, não à sua capital. Seria, então, uma colónia – ideia corroborada pela expressão strategoi (designação para os seus governantes) que encontramos em Act. 16, 20, 22, 35s, 38.
A comunidade judaica também estava presente em Filipos. No entanto, não dispunha, de sinagoga. Lucas, em Act. 16, 13, 16, fala em «Oração» (proseukhê). Com efeito, esta designação pode indicar um lugar concreto de oração, mas indica-nos também – com base nas expressões «fora de portas» e «à margem do rio» – que careceria, também, de uma estrutura «nacional», com escola e tribunal de justiça (como tinham em outros lugares).

terça-feira, maio 13

O menino Paulo não chegou a ir a oftalmologista

Porque Paulo não a foi oftalmologista?

Alguns estudiosos sustentam que a tal doença que Paulo fala na Carta aos Gálatas seria uma a doença que lhe afectava os olhos (supostamente seria catarata). Assim sendo, podemos questionar, caro (a) leitor (a), porque razão Paulo nunca chegou a ir a oftalmologista (ou qualquer coisa do género)? A solução desta questão encontra, obviamente, na referida Carta aos Gálatas.
Esse folheto é um texto que nos prende por vários motivos. É um folheto vivo e directo de combate, mas não só. É, também, um folheto onde Paulo expressa boas recordações de hospitalidade, de ternura e de amor, sobretudo, a quando da sua doença, em que ele se sentia muito frágil.
Ora bem, Paulo não tinha a intenção de se deter entre os Gálatas, pois a sua estratégia missionária o levava prioritariamente para as grandes cidades. Contudo, aconteceu algo na sua vida que, de certa maneira, foi uma feliz coincidência que ele recorda com grande ternura e carinho, como já referi acima, quando ele diz: «Foi por causa duma doença corporal que vos anunciei o evangelho pela primeira vez» (Gal 4, 13). Portanto, uma doença grave obrigou-o a interromper a viagem. Pensa-se naquele «aguilhão na carne», do qual Paulo pede por três vezes a Deus que o livre (2 Cor 12, 7 s).
Pois, aos olhos dos homens esta doença poderia provocar desdenho e desgosto. Contudo, nesse momento de fragilidade de Paulo, os Gálatas mostraram para com ele uma solicitude extraordinária. Em vez de se desviarem do doente, de «cuspirem» contra ele, para ficarem preservados do mau destino, acolheram-no como um «anjo de Deus», isto é, como um mensageiro que fala em nome de Deus (Gal 1, 8).
Concluo este artigo dizendo que a Carta aos Gálatas não é só uma agitada de agressão, apologia e grito de protesto como a primeira vista ou numa leitura desatenta aparece, mas é também uma Carta que revela de ternura e encanto para com aquela gente da Galácia: «meus filhos, por quem sinto outra vez dores de parto, até que Cristo se forme entre vós! Sim, como desejaria estar agora convosco e mudar o tom da minha voz! É que eu estou perplexo a vosso respeito» (Gal 4, 19-20).
Arlindo Tavares

Ainda acerca da Igreja…

Nas suas Cartas Paulo ilustra-nos a sua doutrina sobre a Igreja como tal. Portanto, é muito conhecida a sua original definição da Igreja como "corpo de Cristo", que não encontramos noutros autores cristãos do I século (cf. 1 Cor 12, 27: Ef 4, 12; 5, 30; Cl 1, 24). A raiz mais profunda desta surpreendente designação da Igreja encontrámo-la no Sacramento do corpo de Cristo. Diz São Paulo: "Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo" (1 Cor 10, 17). Na mesma Eucaristia Cristo dá-nos o seu Corpo e faz-nos seu Corpo. Neste sentido São Paulo diz aos Gálatas: "todos sois um em Cristo" (Gl 3, 28). Com tudo isto Paulo faz-nos compreender que existe não só uma pertença da Igreja a Cristo, mas também uma certa forma de equiparação e de identificação da Igreja com o próprio Cristo. Portanto, é daqui que deriva a grandeza e a nobreza da Igreja, ou seja, de todos nós que a ela pertencemos por sermos membros de Cristo, quase uma extensão da sua presença pessoal no mundo. E daqui se origina, naturalmente, o nosso dever de viver realmente em conformidade com Cristo. Daqui derivam também as exortações de Paulo a propósito dos vários carismas que animam e estruturam a comunidade cristã. Todos eles reconduzem a uma única fonte, que é o Espírito do Pai e do Filho, sabendo bem que na Igreja ninguém está desprovido dele, porque, como escreve o Apóstolo, "a cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum" (1 Cor 12, 7). Mas é importante que todos os carismas cooperem juntos na edificação da comunidade e não se tornem ao contrário motivo de dilaceração. A este propósito, Paulo pergunta retoricamente: "Estará Cristo dividido?" (1 Cor 1, 13). Ele sabe bem e ensina-nos que é necessário "manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança" (Ef 4, 3-4).
Sem dúvida, realçar a exigência da unidade não significa afirmar que se deva uniformizar ou nivelar a vida eclesial segundo um único modo de agir. Noutro texto Paulo ensina a "não apagar o Espírito" (1 Ts 5, 19), isto é, a dar generosamente espaço ao dinamismo imprevisível das manifestações carismáticas do Espírito, o qual é fonte de energia e de vitalidade sempre nova. Mas se há um critério do qual Paulo não prescinde é a mútua edificação: "que tudo se faça de modo a edificar" (1 Cor 14, 26). Tudo deve concorrer para construir ordenadamente o tecido eclesial, não só sem estagnação, mas também sem fugas ou excepções. Depois, há outra Carta paulina que chega a apresentar a Igreja como esposa de Cristo (cf. Ef 5, 21-33). Com isto retoma-se uma antiga metáfora profética, que fazia do povo de Israel a esposa do Deus da aliança (cf. Os 2, 4.21; Is 54, 5-8): com isto pretende-se dizer quanto sejam íntimas as relações entre Cristo e a sua Igreja, quer no sentido de que ela é objecto do amor mais terno da parte do seu Senhor, quer também no sentido de que o amor deve ser recíproco e que, por conseguinte também nós, como membros da Igreja, devemos demonstrar fidelidade apaixonada em relação a Ele.
Portanto compreende-se bem quanto desejável é que se realize o que o próprio Paulo deseja ao escrever aos Coríntios: "Mas se todos começarem a profetizar e entrar ali um descrente qualquer ou simples ouvinte, há-de sentir-se tocado por todos, julgado por todos; os segredos do seu coração serão desvendados e, prostrando-se com o rosto por terra, adorará a Deus, proclamando que Deus está realmente no meio de vós" (1 Cor 24-25).

A Realidade da Igreja em S. Paulo

Devemos antes de tudo constatar que o seu primeiro contacto com a pessoa de Jesus se realiza através do testemunho da comunidade cristã de Jerusalém. Foi um contacto conturbado. Tendo conhecido o novo grupo de crentes, ele tornou-se imediatamente um seu orgulhoso perseguidor. Ele mesmo o reconhece nas suas três Cartas: "Persegui a Igreja de Deus", escreve (1 Cor 15, 9; Gl 1, 13; Fl 3, 6), quase como a apresentar este seu comportamento como o pior dos crimes.
A história mostra-nos que se alcança normalmente Jesus através da Igreja! Num certo sentido, isto verificou-se, dizíamos, também para Paulo, o qual encontrou a Igreja antes de encontrar Jesus.
Mas este contacto, no seu caso, foi contraproducente, não causou a adesão, mas uma violenta repulsa. Para Paulo, a adesão à Igreja foi propiciada por uma intervenção directa de Cristo, o qual, tendo-se-lhe revelado no caminho de Damasco, se identificou com a Igreja e lhe fez compreender que perseguir a Igreja era perseguir o Senhor. De facto, o Ressuscitado disse a Paulo, o perseguidor da Igreja: "Saulo, Saulo, porque me persegues?" (Act 9, 4). Perseguindo a Igreja, perseguia Cristo. Então Paulo converteu-se, ao mesmo tempo, a Cristo e à Igreja. Disto compreende-se depois porque a Igreja tenha estado tão presente nos pensamentos, no coração e na actividade de Paulo. Em primeiro lugar, porque ele fundou literalmente muitas Igrejas nas várias cidades onde foi para evangelizar. Quando fala da sua "solicitude por todas as Igrejas" (2 Cor 11, 28), ele pensa nas várias comunidades cristãs suscitadas de cada vez na Galácia, na Macedónia e na Acaia. Algumas daquelas Igrejas também lhe deram preocupações e desgostos, como aconteceu por exemplo nas Igrejas da Galácia, que ele viu seguir "outro Evangelho" (Gl 1, 6), ao que se opôs com firme determinação. Contudo ele sentia-se ligado às Comunidades por ele fundadas de maneira não fria nem burocrática, mas intensa e apaixonada. Assim, por exemplo, define os Filipenses "meus caríssimos e saudosos irmãos, minha coroa e alegria" (4, 1). Outras vezes compara as várias Comunidades com uma carta de apresentação única no seu género: "A nossa carta sois vós, uma carta escrita nos nossos corações, conhecida e lida por todos os homens" (2 Cor 3, 2). Outras vezes ainda mostra em relação a eles um verdadeiro sentimento não só de paternidade mas até de maternidade, como quando se dirige aos seus destinatários interpelando-os como "Meus filhos, por quem sinto outra vez as dores de parto, até que Cristo se forme entre vós!" (Gl 4, 19; cf. também 1 Cor 4, 14-15; 1 Ts 2, 7-8).

Pedro foi missionário entre os circuncisos e Paulo entre os gentios (Gálatas)

Pedro foi missionário entre os circuncisos e Paulo entre os gentios. Aquele que operou nos dois apóstolos, os quais anunciavam o mesmo Evangelho a grupos diferentes, não é outro senão o Verbo Encarnado, do qual Paulo afirma tê-lo recebido. Esse dado do anúncio do Evangelho aos circuncisos e aos gentios revela os horizontes desse segundo encontro.
Seguindo a passagem “Pois, em Cristo, nem a circuncisão vale alguma coisa, nem a incircuncisão, mas sim a fé que actua pelo amor.” (Gl 5,6), Paulo parece apresentar-nos uma realidade definitiva e qualificadora de uma nova vida de comunhão, que pode ser vivida em todas as circunstâncias: a pluralidade judia, grego, escravo, livre, homem, mulher, encontra um ponto de convergência, torna-se unidade. Essa unidade reclama um referencial, um centro: o Logos de Deus, que se encarnou entre nós.
O baptismo é sinal visível, concreto e comunitário da adesão livre e consciente a Cristo, nova realidade que nos une em torno de Deus e Pai que enviou seu Filho como remédio para nós pecadores. “
pois todos os que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo mediante a fé” (Gl 3,27) Por meio do Espírito Santo somos animados a viver essa realidade, a qual suscita a comunhão. A graça do baptismo é o sinal da nossa conversão à vida em Cristo, formando, todos os homens, um único corpo, do qual Cristo é a cabeça.

A universalidade do desígnio de Deus (Gálatas)

Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus.” (Gl 3,28)
O objectivo desse pequeno parágrafo é apresentar a dimensão universal do desígnio de Deus tendo em vista que tudo o que Deus fez, Ele o fez tendo em vista que o homem pecou. Deste modo, compreendemos que a pregação de Paulo é de carácter universal. Em Cristo a salvação é para todos. A opção fundamental de Paulo é estar com Cristo, ser um com Ele. Isso tem um impacto sobre a lei. A salvação muda de locus. Do Templo para o coração do homem. Deixa o carácter particular da observância da Lei para o universal que é o amor. A salvação está na total adesão a Cristo. Um gentio, mesmo sem ser circuncidado e se filiar ao judaísmo, pode, pela fé em Cristo se tornar plenamente cristão e participar dessa nova realidade, a ressurreição de Cristo. Justificado em Cristo, o ser humano vive uma nova vida, sem deixar de ser o que é. Caminha, assim, com os pés na terra, mas tem os olhos voltados para os céus, de onde lhe vem a Salvação.
O desígnio salvador de Deus pode ser acolhido por qualquer ser humano, independente das circunstâncias em que se encontra. Deus está presente em todas as realidades históricas e existenciais nas quais vivemos. Deus se faz próximo para que o homem possa se tornar seu próximo. “Pois aquele que operou em Pedro, para o apostolado dos circuncisos, operou também em mim, em favor dos gentios” (Gl 2,8). Paulo, ao evangelizar as comunidades judeo­cristãs da Galácia, enfrenta uma realidade concreta, ou seja, encontra os gálatas escravos da lei, principalmente da circuncisão. Apresenta para eles a possibilidade de uma vida nova, a vida no Espírito de Deus. A submissão à lei, porém, está tão enraizada no seu coração, que todo convertido ao cristianismo, para ser aceito como cristão, deveria passar pela circuncisão. Grande é a missão de Paulo em lhes mostrar a nova vida em Cristo; a liberdade e não a escravidão. Recorremos à Carta aos Romanos para compreender tal posicionamento de Paulo: “Estará então a Lei contra as promessas de Deus? De maneira nenhuma! Pois, se tivesse sido dada uma lei que fosse capaz de dar a vida, a justiça viria realmente pela Lei.
Só que a Escritura tudo fechou sob o pecado, para que a promessa fosse dada aos crentes pela fé em Jesus Cristo.” (Rm 3,21-22)

segunda-feira, maio 12

SEGUNDA CARTA AOS TESSALONICENSES

Segundo alguns autores, a autenticidade da segunda Carta aos Tessalonicenses a é problemática e, para a maioria destes, esta carta não é uma carta autêntica de Paulo, antes integra as Cartas deutero-paulinas isto é, atribuídas mas não escritas pelo apóstolo Paulo.

A segunda aos Tessalonicenses está intimamente ligada à primeira Carta aos Tessalonicenses. Existem numerosas semelhanças literárias com a primeira e apresenta-se como se o próprio Paulo a tivesse escrito juntamente com a sua equipa missionária «Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica» (2 Tes 1,1). Para os defensores da sua autenticidade, esta teria sido escrita pouco tempo depois da 1 e propor-se-ia corrigir interpretações erradas que a primeira teria suscitado na comunidade.

Para os que a consideram não autêntica, seria posterior, pelos anos 70 e teria um autor desconhecido, talvez da escola que Paulo deixou, isto significaria que a segunda aos Tessalonicenses pertenceria à segunda geração cristã. Estes utilizando a primeira carta, procurariam afrontar e corrigir o clima de euforia apocalíptica, provocado talvez pela guerra judaico-romana dos anos 66-70.

O problema da sua autenticidade não retira, porém, importância a esta carta. É a carta mais apocalíptica, quer pela tónica posta nos castigos divinos, quer pelo anúncio de uma série de acontecimentos.

Se a primeira carta fala da necessidade de estar sempre preparado para a parusia ( 1 Tes 4,15-18), esta cuida do que sucederá antes da parusia. Para alguns autores parece haver incompatibilidade entre as duas escatologias.

A segunda aos Tessalonicenses é uma carta mais breve e que responde, portanto, ao problema da parusia. O autor desfaz um pouco o entendimento errado de que a vinda de Jesus era iminente:

«Acerca da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e da nossa reunião junto dele, pedimo-vos, irmãos, que não percais tão depressa a presença de espírito, nem vos aterrorizeis com uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente. Ninguém, de modo algum, vos engane.» (2 Tes 2,1-3).

O facto é que, segundo alguns autores, esta iminente parusia levou a que alguns da comunidade deixassem de trabalhar «Ora constou-nos que alguns vivem no meio de vós desordenadamente, não se ocupando de nada mas vagueando preocupados. A estes tais ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo a que ganhem o pão que comem, com um trabalho tranquilo» (2 Tes 3, 11-12). Desta forma, a carta recomenda que não esperem «vagueando preocupados» pela parusia de Jesus, pensando que o que importava era preparar o espírito para o «Dia do Senhor», mas que a fé seja activa e por isso que «ganhem o pão que comem».

O vocabulário, o estilo e a estrutura das duas Cartas têm muitas semelhanças. Coincidem em ter um exordio duplo em forma de acção de graças.


A segunda retoma frases inteiras da primeira, por ex:

«Paulo, Silvano e Timóteo à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. A vós, graça e paz. Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações; a vosso respeito, guardamos na memória a actividade da fé, o esforço da caridade e a constância da esperança, que vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus e nosso Pai» (1 Tes 1, 1-3)

«Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. Graça e paz a vós da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo.Devemos dar continuamente graças a Deus por vós, irmãos, como é justo, pois que a vossa fé cresce extraordinariamente e a caridade recíproca superabunda em cada um e em todos vós». (2 Tes 1, 1-3)

Outros autores sublinham que a parte central da carta (2 Tes 2, 1-12), é original em relação à primeira, não se dando nenhuma correspondência de vocabulário e de estilo, nem com a primeira nem com as outras cartas. A saudação final em que Paulo diz «A saudação é do meu punho, de Paulo. É este o sinal em todas as Cartas. É assim que eu escrevo. A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós» (2 Tes 3,17-18), não é argumento para que seja de Paulo, mas o autor pode estar a querer usar da sua autoridade inspirando-se em outras cartas: 1 Cor 16,21; Gal 6,11; Col 4,18.

Ainda acerca do Espírito Santo…

Paulo ensina-nos também outra coisa importante: ele diz que não existe verdadeira oração sem a presença do Espírito em nós. De facto, escreve: "O Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir como é verdade que não sabemos como falar com Deus! ; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que examina os corações conhece as intenções do Espírito, porque é de acordo com Deus que o Espírito intercede pelos santos" (Rm 8, 26-27). É como dizer que o Espírito Santo, isto é, o Espírito do Pai e do Filho, é como a alma da nossa alma, a parte mais secreta do nosso ser, de onde se eleva incessantemente a Deus um dístico de oração, da qual nem sequer podemos esclarecer as palavras.
De facto, o Espírito sempre activo em nós, supre às nossas carências e oferece ao Pai a nossa adoração, juntamente com as nossas aspirações mais profundas. Naturalmente isto exige um nível de maior comunhão vital com o Espírito. É um convite a sermos cada vez mais sensíveis, mais atentos a esta presença do Espírito em nós, a transformá-la em oração, a ouvir esta presença e a aprender assim a rezar, a falar com o Pai como filhos no Espírito Santo.
Há também outro aspecto típico do Espírito que nos foi ensinado por São Paulo: é a sua ligação com o amor. De facto, São Paulo escreve: "A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". O Espírito insere-nos no próprio ritmo da vida divina, que é vida de amor, fazendo-nos pessoalmente partícipes dos relacionamentos existentes entre o Pai e o Filho. Não é sem significado que Paulo, quando elenca as várias componentes da frutificação do Espírito, coloque em primeiro lugar o amor: "O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, etc." (cf. Gl 5, 22).
Por fim, o Espírito segundo São Paulo é um penhor generoso que nos é dado pelo próprio Deus como antecipação e ao mesmo tempo como garantia da nossa herança futura (cf. 2 Cor 1, 22; 5, 5 Ef 1, 13-14). Aprendemos assim de Paulo que a acção do Espírito orienta a nossa vida para os grandes valores do amor, da alegria, da comunhão e da esperança.

Paulo e o Espírito Santo

Conhecemos o que São Lucas nos diz do Espírito Santo nos Actos dos Apóstolos, descrevendo o evento do Pentecostes. O Espírito pentecostal traz consigo um vigoroso estímulo a assumir um compromisso da missão para testemunhar o Evangelho pelos caminhos do mundo. De facto, o Livro dos Actos narra uma série de missões realizadas pelos Apóstolos, primeiro na Samaria, depois ao longo da Palestina, e depois, em direcção à Síria. São narradas sobretudo as três grandes viagens missionárias realizadas por Paulo. Mas São Paulo, nas suas Cartas fala-nos do Espírito também sob outra perspectiva.
Ele não se detém a ilustrar apenas a dimensão dinâmica e operativa da terceira Pessoa da Santíssima Trindade, mas analisa também a presença na vida do cristão, cuja identidade é marcada por ele. Noutras palavras, Paulo reflecte sobre o Espírito expondo a sua influência não só no agir do cristão, mas também no seu ser. De facto, ele diz que o Espírito de Deus habita em nós (cf. Rm 8, 9; 1 Cor 3, 16) e que "Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho" (Gl 4, 6).
Portanto, para Paulo o Espírito conota-nos até às nossas profundezas pessoais mais íntimas. Em relação a isto, eis algumas das suas palavras de importante significado: "A lei do Espírito que dá a vida libertou-te, em Cristo Jesus, da lei do pecado e da morte... Vós não recebestes um Espírito que vos escravize e volte a encher-vos de medo; mas recebestes um Espírito que faz de vós filhos adoptivos. É por Ele que clamamos: Abbá, ó Pai!" (Rm 8, 2.15), porque somos filhos, podemos chamar "Pai" a Deus. Eis a nossa grande dignidade: a de não ser apenas imagem, mas filhos de Deus. Trata-se de um convite a viver esta nossa filiação, a estarmos cada vez mais conscientes de que somos filhos adoptivos na grande família de Deus. É um convite a transformar este dom objectivo numa realidade subjectiva, determinante para o nosso pensar, para o nosso agir, para o nosso ser. Deus considera-nos seus filhos, tendo-nos elevado a uma tal dignidade, mesmo se não é igual, à do próprio Jesus, o único Filho em sentido pleno. Nele é-nos dada, ou restituída, a condição filial e a liberdade confiante em relação ao Pai.

Acerca da justificação pela fé…

Reflectindo sobre o significado de justificação não pelas obras mas pela fé, chegamos ao segundo aspecto que define a identidade cristã descrita por São Paulo na própria vida. Identidade cristã que se compõe precisamente por dois elementos: este não procurar-se por si, mas receber-se de Cristo e doar-se com Cristo, e desta forma participar pessoalmente na vicissitude do próprio Cristo, até se imergir n'Ele e partilhar quer a sua morte quer a sua vida. É quanto escreve Paulo na Carta aos Romanos: "fomos baptizados na sua morte... fomos sepultados com Ele na morte... estamos integrados n'Ele... Assim vós também: considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus" (Rm 6, 3.4.5.11). Precisamente esta última expressão é sintomática: para Paulo, de facto, não é suficiente dizer que os cristãos são baptizados ou crentes; para ele é de igual modo importante dizer que eles são "em Cristo Jesus" (cf. também Rm 8, 1.2.39; 12, 5; 16, 3.7.10; 1 Cor 1, 2.3, etc.). Outras vezes ele inverte as palavras e escreve que "Cristo está em nós/vós" (Rm 8, 10; 2 Cor 13, 5) ou "em mim" (Gl 2, 20). Esta mútua compenetração entre Cristo e o cristão, característica do ensinamento de Paulo, completa o seu discurso sobre a fé. A fé, de facto, mesmo unindo-nos intimamente a Cristo, realça a distinção entre nós e Ele. Mas, segundo Paulo, a vida do cristão tem também um componente que poderíamos dizer "místico", porque obriga a uma identificação com Cristo e de Cristo connosco. Neste sentido, o Apóstolo chega até a qualificar os nossos sofrimentos como os "sofrimentos de Cristo em nós" (2 Cor 1, 5), de modo que "trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo" (2 Cor 4, 10).

O encontro com Cristo...

Olhando para Paulo, poderíamos formular assim a pergunta fundamental: como acontece o encontro de um ser humano com Cristo? E em que consiste a relação que dele deriva? A resposta de Paulo pode ser compreendida em dois momentos. Em primeiro lugar, Paulo ajuda-nos a compreender o valor absolutamente fundante e insubstituível da fé. Eis quanto escreve na Carta aos Romanos: "Pois estamos convencidos de que é pela fé que o homem é justificado, independentemente das obras da lei" (3, 28). E também na Carta aos Gálatas: "O homem não é justificado pelas obras da Lei, mas unicamente pela fé em Jesus Cristo; por isso, também nós acreditámos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei; porque pelas obras da Lei nenhuma criatura será justificada" (2, 16). "Ser justificados" significa ser tornados justos, isto é, ser acolhidos pela justiça misericordiosa de Deus, e entrar em comunhão com Ele, e por conseguinte poder estabelecer uma relação muito mais autêntica com todos os nossos irmãos: e isto com base num perdão total dos nossos pecados. Pois bem, Paulo diz com muita clareza que esta condição de vida não depende das nossas eventuais boas obras, mas da graça de Deus: "Sem o merecerem, são justificados pela sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus" (Rm 3, 24). Com estas palavras São Paulo expressa o conteúdo fundamental da sua conversão, o novo rumo da sua vida que resultou do seu encontro com Cristo ressuscitado. À luz do encontro com Cristo compreendeu que com isso tinha procurado edificar-se a si mesmo, à sua própria justiça, e que com toda essa justiça tinha vivido para si mesmo. Compreendeu que era absolutamente necessária uma nova orientação da sua vida. E encontramos expressa nas suas palavras esta nova orientação: "E a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim" (Gl 2, 20).

Paulo anuncia o Messias e o Reino de Deus

A pregação de Paulo possui um carácter querigmático, ou seja, é anúncio e proclamação do Cristo crucificado e ressuscitado conforme as Escrituras. Paulo anuncia o Messias e o Reino de Deus, enfatizando que aquele que morreu na cruz, Jesus, era o Messias prometido. Ele recria do interior as palavras e os gestos de Jesus; imita mais do que o repete. Nesse sentido, quando se coloca a questão do Evangelho pregado por Paulo, sem hesitação respondemos que seu Evangelho é o Cristo. Paulo foi enviado para pregar o Evangelho, isto é, o Cristo: “7Que outro não há; o que há é certa gente que vos perturba e quer perverter o Evangelho de Cristo” (gel 1,7).
Sua teologia merece o qualificativo de cristológica, porque gira em torno da profissão de que Deus glorificou Jesus e o fez Senhor. Assim, onde está Jesus Cristo, está Deus, e Deus se comunica por Jesus Cristo. Aderir ao Evangelho equivale, na prática, a crer em Cristo Jesus. Esse conteúdo da carta aos Gálatas será reforçado na carta aos Romanos: “30Que diremos, portanto? Que os gentios, que não procuravam a justiça, a alcançaram, mas, claro, a justiça que vem pela fé” (Rm 9,30). Na carta aos Gálatas, a repreensão formulada contra Israel consiste no facto de haver recusado o Evangelho, isto é, Jesus Cristo, em nome de sua fidelidade à Lei.
Descrever o itinerário de Cristo, apresentá-lo crucificado, morto e ressuscitado é sinal para a obra evangelizadora preconizada por Paulo. Como corolários desse anúncio evangélico seguem a universalidade do desígnio de Deus, a justificação pela fé e o estar com Cristo crucificado.

O Evangelho na vida de Paulo (Gálatas)

“11Com efeito, faço-vos saber, irmãos, que o Evangelho por mim anunciado, não o conheci à maneira humana; 12pois eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por uma revelação de Jesus Cristo.” (gel 1,11-12)
À luz dessa verdade, Paulo presenteia-nos com uma compreensão significativa da identidade cristã, ao nos mostrar que o cristão autêntico é aquele que vive uma verdadeira experiência de união com Cristo – elemento central do Evangelho anunciado por Paulo. De perseguidor a testemunha viva da Palavra de Jesus, homem que buscou a verdade, encontrada enfim às portas de Damasco, Paulo fez uma profunda experiência de encontro com Cristo. A partir daí, transformou-se num guardião do pensamento cristão. “15Mas, quando aprouve a Deus - que me escolheu desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça - 16revelar o seu Filho em mim, para que o anuncie como Evangelho entre os gentios, não fui logo consultar criatura humana alguma” (gel 1, 15-16).
Esse pensamento tem como base à expectativa do Messias, Cristo Jesus, e do Reino. Em Cristo, a Redenção acontece, no âmbito da fé no Reino de Deus. Não há dúvida de que a Redenção passa pelos dados da morte e ressurreição de Jesus. Morte que alcançará significado verdadeiro na perspectiva daqueles que crêem, não por si mesma, mas a partir do momento que for pensada como ponto inicial para realização do Reino de Deus, ou seja, aqueles que crêem serão redimidos quando se unirem a Cristo por meio de uma morte mística. Em outras palavras é a passagem do estado natural e exterior para uma esfera sobrenatural e interior.
Nesse sentido morrer e ressuscitar com Cristo como uma experiência espiritual parece estar presente no pensamento místico de Paulo como uma constante transformação do plano natural para o plano espiritual e ético. Espiritual porque estaremos em comunhão com Deus por meio de Jesus Cristo e ético porque essa mesma comunhão é acompanhada por uma verdadeira transformação de conduta. Por esse motivo, a experiência de morrer e ressuscitar com Cristo deverá estar presente em todas as circunstâncias da vida do crente, em todo seu pensar e agir; experiência essa que será a porta de entrada para a vida eterna.
O Reino de Deus antes de ser um estado físico e externo, deve ser um estado espiritual e interno, ou seja, deve brotar e germinar puramente no interior, não visando sucesso algum visível, mas fazendo com que os eleitos irradiem a luz do Reino de Deus no mundo. Essa crença no Reino de Deus cresce por meio da força do Espírito de Deus que habita em nós.
A Ressurreição dos Mortos (I Cor 15, 1-58)

A doutrina cristã da ressurreição dos mortos encontrava dificuldades no mundo gentílico. Os gregos, sobretudo por influência da filosofia platónica e da doutrina pitagórica, admitiam a imortalidade da alma. Mas não podiam aceitar a ressurreição do corpo, geralmente concebido como prisão e túmulo da alma. Podemos notar isto em alguns cristãos de Corinto que mostravam vacilantes quanto à ressurreição dos corpos. Contra estes o Paulo opõe, antes de tudo, o facto da Ressurreição de Cristo, afirmada por muitas testemunhas, das quais ele próprio era a última. Podemos ver isto no 15,1-11. Em segundo lugar, passa a demonstrar que a nossa ressurreição se acha indissoluvelmente ligada à de Cristo. Isto é, uma não pode subsistir sem a outra. E assim, se, por absurdo e contra toda a evidência histórica, quiséssemos negar que Cristo ressuscitou, deveríamos concluir que seria falsa a pregação dos Apóstolos, inútil a fé dos catecúmenos, ilusória toda esperança de remissão dos pecados. Se, só para esta vida, temos esperança em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens.

Tudo isto se compreende ainda melhor considerando que Cristo é o segundo Adão. O primeiro Adão introduziu no mundo a morte. A Ressurreição de Cristo é justamente a vitória sobre esta última inimiga. Cristo, porém, é apenas as primícias dos mortos. Os outros hão de acompanhá-lo, assim como a messe vem sempre depois das primícias.

Quanto ao modo, ninguém deve objectar dizendo: como é que ressuscitam os mortos? Com que corpo haverão de retornar, pois Deus tem a possibilidade de operar as mais admiráveis transformações. Pensemos na pequena semente que morre para reviver e na enorme diversidade de corpos celestes e terrestres. Assim será também a ressurreição dos mortos. Semeia-se em corrupção e ressuscita-se em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, e ressuscita-se em glória. Semeia-se em fraqueza e ressuscita-se em vigor. Semeia-se um corpo animal, e ressuscita-se um espiritual. Como, com efeito, trouxemos a imagem do homem terrestre, Adão, assim também levaremos a imagem do homem celeste, Cristo Como, porém, nada de corruptível pode entrar no reino dos céus, no último dia deverá ocorrer uma enorme e misteriosa transformação: ao som da trombeta celeste, todos os justos, tanto mortos como ainda vivos, serão transformados na glória celeste. Esta será a definitiva e total vitória sobre a morte (15, 50-58). Por isso, graças sejam dadas a Deus, que nos dá a vitória por Jesus Cristo.
Daivadas V Thomas

domingo, maio 11

A questão de morte:

Na carta de Paulo aos cristãos de Tessalónica podemos ver que os cristãos são muito inquietados com o destino daqueles que já morreram. Os cristãos até se Interrogam sobre uma possibilidade de um encontro entre os vivos e os mortos. Isto é numa perspectiva do regresso iminente de Cristo. Paulo tenta dar uma solução a esta preocupação. Podemos ver isto no versículo 4,13. Podemos ver que os cristãos concentravam a sua esperança não na ressurreição, mas na vinda iminente do Senhor. Sem dúvida, toda a primeira geração do cristianismo primitivo viveu num ambiente de tensa espera. Só depois da morte dos Apóstolos é que a esperança passará da fase de espera tensa a perspectivas temporais mais amplas.
Nesta situação, aquilo que Paulo tem de responder é se a morte individual impedirá a reunião entre vivos e mortos. Paulo responde a isso nos versículos 4,13-14.
Aquilo que podemos ver é uma resposta a uma preocupação concreta dos destinatários da carta que, vivendo à espera duma parusia iminente que seria a hora do triunfo e a salvação consumada, temem que os seus irmãos mortos, ao não alcançar este acontecimento, fiquem fora do influxo salvífico de Cristo. Paulo consola-os recordando a doutrina da ressurreição futura. Isto é os mortos em Cristo renascerão primeiro.
Paulo sublinha que a ressurreição é a única resposta válida ao mistério da morte. Parra Paulo O ponto de partida é a ressurreição de Cristo. A fé nessa ressurreição deve fazer-se extensiva aos que em Jesus adormeceram e a quem Jesus ressuscitará.

Daivadas V Thomas