segunda-feira, abril 21

De Jeruslém a Roma

Para podermos compreender a chegada do Cristianismo a Roma com Paulo temos que nos deter num primeiro momento naquela que será a primeira comunidade a quem Paulo se vai dirigir em Roma.
Os Actos referem-nos o seguinte: “Três dias depois, ele convocou os principais dos judeus e, quando reuniram, disse-lhes: Varões irmãos, nada havendo feito contra o povo ou contra os costumes paternos, contudo vim preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos” (Act 28, 17). Nesta passagem constatamos que Paulo encontra Judeus em Roma, e encontra já uma comunidade organizada, com responsáveis, pois o texto refere-nos o encontro apenas com os principais dos judeus.
A presença dos judeus em Roma deriva da diáspora judaica que teve inicio no séc VIII antes de Cristo, quer por deportações, quer por imigração voluntária, e que se irá espalhando quer pela Ásia, quer pelo mediterrâneo, chegando assim aos grandes centros culturais que se foram constituindo até à época Neo Testamentária, onde se incluem os centros culturais da época helenística e que exerciam uma grande atracção. Neste sentido é possível encontrar colónias judias fortes em Antioquia, Alexandria e Roma.
Neste sentido percebe-se a presença de Judeus já em Roma, pólo de grande diversidade, num ambiente marcado pela diversidade religiosa proporcionada pelo próprio império. É uma destas comunidades que Paulo encontra quando chega a Roma.

O cristianismo nas terras da Galácia

O cristianismo nas terras da Galácia

A investigação sobre as epístolas paulinas cada vez mais trata das questões sociais que envolviam as comunidades às quais Paulo dirige as suas epístolas.
Particularmente, é interessante notar a forma pela qual Paulo aborda a questão das divergências presentes nas comunidades da Galácia. Esses conflitos são de natureza social, podendo ser analisados e, a partir dos resultados da investigação, devidamente expostos como chave para a compreensão da mentalidade paulina.
Paulo escreveu uma epístola às comunidades cristãs da Galácia, a Epístola aos Gálatas. Escreveu nos anos 48 ou 56 d.C, para resolver problemas surgidos por causa dos judeus convertidos, que quiseram impor sua lei judaica aos cristãos vindos do paganismo.
Portanto, a grande questão, que inquietava Paulo, era esta: os pagãos acolhiam a Palavra de Deus, eram baptizados e formavam comunidade crente em Jesus, sem antes serem instruídos na Lei de Moisés, sem serem circuncidados e sem cumprirem a observância cultual do Templo. Os irmãos de Jerusalém, judeus tradicionais, não admitiam este processo! Eles, de judeus tinham-se convertido a Cristo. Devia acontecer o mesmo processo com os pagãos. Primeiro, convertiam-se ao judaísmo, à Lei de Moisés e ao culto do Templo, pelo sinal da circuncisão; e só depois poderiam ser baptizados no Nome de Jesus Cristo.
Este era o grande foco de tensão na Igreja nascente, a Igreja das comunidades. Paulo é o grande defensor da liberdade do Evangelho vivido pelos pagãos, o instrumento escolhido pelo Espírito: “Vai, que te vou enviar lá ao longe, aos pagãos!” (Act 22, 21; 13, 46-48; 28, 25-29)
Esta “tensão de crescimento” da Igreja nascente tem dois rostos fundamentais, Pedro e Paulo, como nos aparece na carta de Paulo aos cristãos da comunidade da Galácia: “Quando Pedro veio a Antioquia, opus-me frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável. Com efeito, antes de terem chegado umas pessoas da parte de Tiago (líder de Jerusalém), ele comia juntamente com os pagãos. Mas, quando eles chegaram, Pedro retirava-se e separava-se, com medo dos defensores da circuncisão. E com eles também os judeus agiram hipocritamente, de tal modo que até Barnabé foi arrastado pela hipocrisia deles! Mas, quando eu vi que não procediam bem, de acordo com a Verdade do Evangelho, disse a Pedro diante de todos: Se tu, sendo judeu, vives segundo os costumes pagãos e não judaicos, como te atreves a forçar os pagãos a viver como judeus?!” (Gal 2, 11-14).
Paulo pouco importava que alguém fosse circunciso ou não, que fosse um cristão vindo do judaísmo ou do paganismo (Gal 6, 5; 1Cor 9, 20). Não proibia ninguém de observar a Lei de Moisés, mas não suportava a pretensão daqueles “super-apóstolos” (2Cor 11, 5) que queriam impor essa Lei como condição necessária para ser cristão!
Em Cristo são todos iguais. Tudo o resto, normas, observâncias, prescrições, passou a ser secundário, faz parte dos meios e instrumentos para alguns que deles não se conseguiram libertar. Meios para um fim, instrumentos para viver o essencial!
A carta aos Gálatas pode ser resumida numa única frase: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres” (5,1). Os gálatas acolheram com grande entusiasmo essa Boa Notícia, pois o evangelho anunciado por Paulo era o sonho de vida e liberdade há tanto tempo esperado. É por isso que a carta aos Gálatas foi e continua sendo, em todos os tempos, o grito de liberdade dos que crêem em Jesus Cristo.

Arlindo Tavares

domingo, abril 20

Vocação de Saulo” Actos 9, 10-22; 22, 11-16.
Toda a conversão realiza-se em dois passos separados, as vezes por um tempo longo, como aconteceu com Sto. A. Existe a conversão da razão e a conversão do coração. «Sem a razão, a inteligência do coração humano e o sua recusa de se conformar a vontade divina se torna invisível”, mas é preciso uma certa emoção do sentimento para atrair a cura da vontade…». Paulo estava cego, ele foi conduzido pelos outros com muito cuidado.
Há um grande acontecimento que se dá em Paulo, ele passa três dias sem comer, durante os três dias, ele estava quase morto perante o mundo exterior. Esses três dias que se situam entre a sua morte mística e a sua ressurreição espiritual pelo baptismo que recebeu, está na linha de uma analogia com os três dias de Jesus no túmulo. Paulo estava em vigília estava a espera de Deus, esta esperança, expectativa é já em si uma virtude difícil. A graça vem a seu tempo. Uma outra realidade se revela nele, que é o novo nascimento, a vida nova. Ora, o princípio de economia divina da salvação quer que o homem seja conduzido para Deus…
Ananias, com aa sua qualidade de discípulo tinha o dom da cura (Lc 10, 9) «Saulo, meu irmão acreditas que Jesus é o Messias e é o Filho de Deus?»; esta expressão «meu irmão», foi para Paulo sinal de uma grande alegria, porque foi pela primeira que lhe é dirigida desta maneira por um crente, «meu irmão). Paulo tornou-se um irmão diferente com uma capacidade de fazer aquilo que aos olhos das pessoas do seu tempo era difícil, apóstolo convertido com uma luz que nunca se apagará…

CARTA AOS ROMANOS - ESTRUTURA RETÓRICA: POSTSCRIPTUM



POSTSCRIPTUM

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O postscriptum é a parte da dispositio (estrutura retórica) destinada às saudações finais. Na Carta aos Romanos, posso ver que Paulo saúda pessoas provavelmente ilustres, homens e mulheres em igualdade de uma nova cidadania: a cidadania cristã.

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"Eu recomendo a vocês a nossa irmã Febe, que é diaconisa da igreja de Cencréia. (...) Mando saudações a Priscila e ao seu marido Áquila, meus companheiros no serviço de Cristo Jesus. Saudações ao meu querido amigo Epêneto, que foi o primeiro a crer em Cristo na provìncia de Ásia. Saudações a Maria, que tem trabalhado muito por vocês. (...) Ao Deus único e sábio seja dada glória para sempre, por meio de Jesus Cristo! Amém!" (Rm 16,1-27)
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HELENA FRANCO
2008-4-20

CARTA AOS ROMANOS - ESTRUTURA RETÓRICA: PERORATIO


PERORATIO
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A peroratio é uma síntese final da comunicação, ou seja, da Carta.
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Rom 15,7-16,33:
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"Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus. (...)E, assim, se Deus quiser, chegarei aí em Roma cheio de alegria e lhes farei uma visita que me dará novo ânimo. E que Deus, nossa fonte de paz, esteja com todos vocês! Amen!"
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HELENA FRANCO
2008-4-20

CARTA AOS ROMANOS - ESTRUTURA RETÓRICA: PROBATIO



Rom 1,18-15,6: PROBATIO

Para John Ziesler, a Carta aos Romanos reflecte os interesses e problemas romanos, mas a sua longa e cuidada estrutura reflecte a consideração amadurecida de Paulo sobre esses assuntos, desde um período relativamente longo. (1)

Como apresentação da teologia paulina, na Carta aos Romanos posso ver a solicitude histórica de Deus (heilsgeschichtlich) para com o seu povo, Israel, e como Jesus Cristo é a solução para a raça humana inteira, tanto judeus como gentios. (2)

O que posso intuir em relação às provas da probatio é, em primeiro lugar, muito complexo e está intimamente ligado com as afirmações anteriores.

Limito-me, pois, a enunciar brevemente as suas provas ou os argumentos lógicos.

Rm 1,18-2,11 - 1ª PROVA: Pecado

Rm 2,12-4,16 - 2ª PROVA: Lei

Rm 4,17-8,11 - 3ª PROVA: Morte

Rm 8,12-11,36 - 4ª PROVA: Filhos de Deus

Rm 12,1-13,7 - 5ª PROVA: Vida nova

Rm 13,8-15,6 - 6ª PROVA: Amor

Dada a complexidade estrutural da Carta aos Romanos, proponho-me voltar, mais tarde e noutro post, a esta questão.

(1) Cf ZIESLER, John, Paul's Letter to the Romans, SCM Press/Trnity Press Internacional, London/Philadelphia, 1989, 16.

(2) Cf Ibidem, 8.

HELENA FRANCO

2008-4-20

CARTA AOS ROMANOS - ESTRUTURA RETÓRICA: PROPOSITIO



Cap 1


vv 16-17: PROPOSITIO

A propositio ou tese da Carta aos Romanos é a salvação dos judeus, em primeiro lugar, pois Paulo considerava o seu povo a maior vítima do pecado. (1)

Mas o pecado atinge toda a humanidade, pelo que a propositio é a Salvação universal - tema muito importante na teologia paulina -que implica a fé.

Há uma tensão e uma progressividade no tema da Salvação pela fé ao longo das Cartas de Paulo.

(...) "O justo viverá por fé." (Rm 1, 16-17)


(1) MURPHY-O'CONNOR, Paulo: Biografia Crítica, Loyola, São Paulo, 2000, 342.


HELENA FRANCO
2008-4-20

CARTA AOS ROMANOS - ESTRUTURA RETÓRICA: EXORDIUM



Cap 1


vv 8-15: EXORDIUM

.A dispositio (estrutura narrativa) tem uma dicção capaz de envolver os destinatários. A Carta aos Romanos não é um improviso, mas envolve os romanos, a partir da inteligência de fundo que ela possui.
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"Primeiramente , dou graças a meu Deus, mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque em todo o mundo é proclamada a vossa fé. Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, é testemunha de como incessantemente faço menção de vós (...)." (Rm 1, 8-15)

HELENA FRANCO
2008-4-20


CARTA AOS ROMANOS - ESTRUTURA RETÓRICA: PRAESCRIPTUM


Cap 1

vv 1-7: PRAESCRIPTUM


v 1: SUPERSCRIPTUM

Nesta parte da dispositio (estrutura retórica), há a nomeação de Paulo como emitente que tem na sua condição de apóstolo de Cristo Jesus a sua responsabilidade autorial.
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"Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus." (Rm 1,1)
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vv 2-6: Texto importante na estratégia de persuasão que vem esclarecer o significado profundo do "evangelho de Deus" porque importava a Paulo "encontrar um assunto que fosse de interesse dos romanos e, ao mesmo tempo, servisse de introdução da sua pessoa e do seu Evangelho." (1)
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v 7a: ADSCRIPTIO
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Há, nesta parte da dispositio, os destinatários a quem o emitente escreve. São eles "os amados de Deus" à semelhança de Filemon na carta que lhe é destinada. "Chamados para serem santos", os romanos eram membros de uma Igreja bem estabelecida. (2)
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"A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serem santos," (Rm 1,7a)
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v 7b: SALUTIO
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Há, nesta parte final da praescriptum, a saudação de Paulo aos romanos. A Carta aos Romanos tem uma dimensão comunitária, o que a salutio explicita (pela linhas horizontal e vertical do uso da 2ª pessoa do plural e da alusão a Deus, nosso Pai, e ao Senhor Jesus Cristo).
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"graças a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo." (Rm 1,7b)
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(1) MURPHY-O'CONNOR, Paulo: Biografia Crítica, Loyolo, SãoPaulo, 2000, 335.
(2) Cf Ibidem, 332.
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HELENA FRANCO
2008-4-20

A ESCATOLOGIA PAULINA E A TRILOGIA DE SALVADOR DALI INSPIRADA NA DIVINA COMÉDIA DE DANTE


Para Käsemann, toda a teologia do Novo Testamento é fruto de uma mentalidade apocalíptica.

Há um 1º momento, segundo Bultmann, em que Paulo acreditava que a parusia ainda seria para aquela geração, estando integrada na história e com centralidade no triunfo de Deus.

Há um 2º momento em que a escatologia paulina é decisiva para a formulação da cristologia que está a acontecer. A autoconsciência e a autodefinição de quem é Jesus Cristo é a questão decisiva da centralidade cristológica de Paulo.

A escatologia paulina é a construção de um campo semântico que se descreve simultaneamente em modo vertical (temporal: hoje/futuro) e horizontal (aqui).

Nesta aguarela intitulada “inferno”, a meu ver, Salvador Dali representa pictoricamente a verticalidade e a horizontalidade desse campo semântico, que não só se cruzam entre si como também são mediadas por diagonais.

A densidade da escatologia paulina tem a ver com o seu discurso estar entre duas linhas, o que de acordo com a minha análise corresponde à cor densa com que a aguarela termina.

A natureza contingente da teologia de Paulo, por sua vez, corresponde ao próprio aprisionamento do centauro inteiro, isto é, o corpo humano preso no corpo animal. A cor avermelhada que em termos psicanalíticos representa as pulsões tem a ver com a teologia Paulina do corpo. Sendo o corpo templo do Espírito Santo, é curioso ver o centauro – representação do inferno, ou melhor, de corpos corrompidos - encimado pelo seu próprio sopro, pois escatologia paulina é pneumatológica, o que vem na continuidade da escatologia judaica.


NOTA: Há, desde 18 de Abril, uma exposição de 100 gravuras de aguarelas de Salvador Dali inspiradas na Divina Comédia de Dante correspondendo às séries “Inferno” (CCB), “Purgatório” (São Bento- R.Industriais) e “Paraíso” (Twin Towers).