sábado, maio 3

Qual a preocupação principal da comunidade de Tessalónica?

Os cristãos de Tessalónica estão preocupados com o destino daqueles que já faleceram. Interrogam-se sobre a possibilidade de um encontro entre os vivos e os mortos, na perspectiva do regresso iminente de Cristo. Paulo procura dar uma resposta a esta preocupação: «Irmãos, não queremos deixar-vos na ignorância a respeito dos que faleceram, para não andardes tristes como os outros, que não têm esperança» (1 Tes 4,13).

Com efeito,a comunidade centrava a sua esperança não na ressurreição, mas na vinda iminente do Senhor:
  • quem é a nossa esperança, a nossa alegria e a nossa coroa de glória diante de Nosso Senhor Jesus Cristo, aquando da sua vinda, senão vós? (1 Tes 2, 19)
  • que Ele confirme os vossos corações irrepreensíveis na santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus com todos os seus santos. (1 Tes 3,13)
  • Eis o que vos dizemos, baseando-nos numa palavra do Senhor: nós, os vivos, os que ficarmos para a vinda do Senhor, não precederemos os que faleceram (1 Tes 4,15)
  • Que o Deus da paz vos santifique totalmente, e todo o vosso ser - espírito, alma e corpo - se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Tes 5,23)
Como diz Jurgen Becker toda a primeira geração do cristianismo primitivo viveu num clima de tensa espera. Só depois da morte dos Apóstolos, a meados dos anos 60,é que a esperança passará da fase de espera tensa a perspectivas temporais mais amplas.

A comunidade não põe em causa a ressurreição. Aquilo a que Paulo tem de responder é se a morte individual impedirá a reunião entre vivos e mortos. Aos mortos juntar-se-ão os que estão vivos? Paulo responde:

13Irmãos, não queremos deixar-vos na ignorância a respeito dos que faleceram, para não andardes tristes como os outros, que não têm esperança. 14De facto, se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus reunirá com Jesus os que em Jesus adormeceram. 15Eis o que vos dizemos, baseando-nos numa palavra do Senhor: nós, os vivos, os que ficarmos para a vinda do Senhor, não precederemos os que faleceram; 16pois o próprio Senhor, à ordem dada, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, descerá do Céu, e os mortos em Cristo ressurgirão primeiro. 17Em seguida nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens, para irmos ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor . (1Tes 4,13-17)


É a resposta a uma preocupação concreta dos destinatários da carta que, vivendo à espera duma parusia iminente que seria a hora do triunfo e a salvação consumada, temem que os seus irmãos mortos (os que dormem), ao não alcançar este acontecimento, fiquem fora do influxo salvífico de Cristo. Preocupados que estavam com o seu destino (Cf. 1 Tes 4,13). Paulo consola-os recordando a doutrina da ressurreição futura «mortos em Cristo ressurgirão primeiro» (1 Tes 4,16).

Paulo diz que tal temor parece mais próprio dos que não confiam em Cristo. O ponto de partida é a ressurreição de Cristo. A fé nessa ressurreição deve fazer-se extensiva aos que «em Jesus adormeceram» a quem Jesus ressuscitará, «levará consigo».

O texto contém muitos aspectos da apocalíptica judaica: a voz do anjo, o som da trombeta, o cortejo dos santos nas nuvens; mas, tudo isto não sufoca o absoluto cristocentrismo da passagem.
O que interessa a Paulo é sublinhar o nexo entre a ressurreição de Jesus e a sorte dos defuntos: a ressurreição é a única resposta válida ao mistério da morte.

sexta-feira, maio 2

Circunstâncias das cartas aos Coríntios

Depois da pregação em Corinto, Paulo conclui a segunda viagem missionária com uma passagem por Éfeso, aonde promete voltar. Depois de uma visita a Jerusalém, regressa a Antioquia, de onde partira (Cf. Act 18, 19-22).
Passado pouco tempo, partiu de novo para a terceira viagem. Atravessando a Galácia e a Frígia, a fim de confirmar a fé das comunidades aí existentes (Cf. Act 18, 23), chegou finalmente a Éfeso, onde se demorou cerca de dois anos e três meses (Cf. Act 19, 8-10). Foi desta cidade que escreveu as cartas aos Coríntios, por volta de 56/57.
Entretanto, pouco depois da partida de Paulo, chegou a Corinto Apolo, um Judeu muito culto, a quem Áquila e Priscila tinham esclarecido no “caminho” do Senhor, durante uma estadia em Éfeso (Cf. Act 18, 24-28; 1Cor 3, 6). Ao que parece, sem grande culpa da sua parte, um grupo dos membros da comunidade de Corinto, começou a contrapor a sua figura à de Paulo, enquanto outros se apelavam a outras autoridade, como a de Pedro, que poderá também ter passado pela cidade. Formam-se assim grupos que provocam rupturas e divisões na comunidade (Cf. 1Cor 1, 12; 3, 4). Além disso, tinham surgido sérios problemas de ordem moral e de interpretação da fé, que causavam grande tensão e desordem.
Chegando a Éfeso, Paulo tem conhecimento destes factos e escreve uma primeira carta, que se perdeu, mas que se encontra claramente referida em 1Cor 5, 9.11. Pouco depois chega a Éfeso uma delegação da comunidade de Corinto, composta provavelmente por Estéfanes, Fortunato e Acaico, portadora de uma carta em que se pediam instruções sobre vários pontos de doutrina e de comportamento[1]. Trazem também notícias que serenam um pouco as inquietações de Paulo. Este responde numa segunda carta, que constitui a primeira carta aos Coríntios, levada presumivelmente pelos membros da delegação comunitária. Com eles segue Timóteo, provavelmente para verificar pessoalmente como estava a comunidade e esclarecer quaisquer dúvidas[2].
Estas diligências não foram suficientes para resolver as dificuldades. Pelo contrário, surgiram graves problemas em Corinto que levaram Paulo a fazer uma rápida visita à comunidade, onde parece ter sido pessoalmente posto em causa com tal intensidade que se sentiu profundamente ofendido (Cf. 2Cor 2, 5; 7, 4). Voltando a Éfeso, parece ter escrito uma carta muito dura, conhecida como “Carta das Lágrimas” (Cf. 2Cor 2, 4)[3], em que existia, a adopção de medidas drásticas para garantir a ordem e a autoridade na comunidade. Também esta carta se perdeu.
Por esta altura, até talvez como portador da terceira carta, Paulo envia Tito a Corinto (Cf. 2Cor 12, 18), provavelmente para ajudar a implementar as medidas preconizadas e vir trazer-lhe notícias a Tróade, para onde tencionava dirigir-se. Mas, devido ao tumulto que se verificou em Éfeso e que o obrigou a apressar a partida, não encontrou Timóteo em Tróade. Extremamente preocupado dirige-se então pessoalmente à Macedónio, em circunstâncias pouco claras, pois há uma certa dificuldade de conciliação entre os vários dados disponíveis nos Actos e em 2Cor.
O que é certo é que Paulo escreveu pelo menos mais uma carta, a nossa segunda carta aos Coríntios, depois de ter recebido a notícia de que estes tinham acatado as suas ordens e tomado medidas severas contra aquele que tinha posto em causa a sua autoridade.
[1] “Agora, quanto às coisas que me escrevestes…” (1Cor 7, 1). “Alegro-me com a presença de Estéfanes, Fortunato e Acaico, porque eles suspiram a vossa ausência e trouxeram a tranquilidade ao meu espírito” (1Cor 16, 17-18).
[2] “Por isso enviei-vos Timóteo, que é meu filho muito amado e fiel no Senhor. Ele vos recordará os meus caminhos em Cristo, tal como eu os ensino em toda a parte e em todas as igrejas” (1Cor 4, 17; Cf. 1Cor 16, 10ss; Act 19, 22)
[3] “Por isso, decidi comigo mesmo não voltar a ir ter convosco, estando triste. Com efeito, se vos entristeço, quem me poderá dar alegria senão aquele que eu tiver entristecido? E escrevi-vos justamente isto, para que, ao chegar, não sinta tristeza da parte daqueles que me deviam alegrar. Estou confiante, quanto ao que vos diz respeito, de que a minha alegria é a de todos vós.Foi, pois, em grande aflição e com o coração despedaçado, que vos escrevi entre muitas lágrimas, não para vos entristecer, mas para que conheçais o amor transbordante que vos tenho.” (2Cor 2, 1-4)

A situação não foi fácil na Galácia

Epístola aos Gálatas


1. Uma “teologia de luta”

A Epístola aos Gálatas nasce numa atmosfera carregada de tensões do ponto de vista religioso. Nesse escrito polémico, Paulo teve que rechaçar duas acusações e desfazer opiniões que ameaçavam anular toda a sua obra apostólica.
Por um lado, devia defender-se da campanha que lhe moviam alguns judeu-cristãos gnósticos nas suas comunidades micro-asiáticas, onde eles pregavam a necessidade da lei mosaica (Gl 1, 6ss; 5, 7-12; 7, 19-20).
Por outro lado, encontrava-se diante duma corrente dirigida contra ele e seu ministério apostólico, que lhe contestava decididamente a sua autoridade de apóstolo e difundia a opinião de que o cargo apostólico de Paulo era usurpado e não podia de modo algum ser colocado em pé de igualdade com a autoridade dos “doze” (e da proto-comunidade de Jerusalém) (Gl 1, 1, 1-2-2, 9ss; 5, 10).
Conclusão, segundo salienta Alfred Wikenhauser “nenhuma das Epístolas paulinas está tão inflamadas de cólera e de paixão como esta aos Gálatas”. Nesta carta Paulo apresenta uma “teologia de luta”.

2. Estrutura

Como aluno da escola rabínica, Paulo manejava com domínio perfeito o instrumento teológico-científico do judaísmo contemporâneo, sendo sem dúvida alguma o interlocutor e o polemista ideal para combater os “judaizantes” exactamente com armas e os argumentos dialécticos que estes procuravam usar contra ele.
Paulo é um escritor da sua época e do seu contexto próprio. Por isso, as suas cartas, mais precisamente Epístola aos Gálatas na qual estamos a tratar, seguem as seguintes estruturas:

a) Proescriptum inicial (1, 1-5)
b) Exordium ou Proemio (1, 6-10)
c) Narratio ou Propositio (1, 11)
d) Probatio (1, 12-6, 1-10)
e) Peroratio (6, 11-18)
f) Postscriptum final (6,16-18)
Arlindo Tavares

quinta-feira, maio 1

Assunção de Moisés

No meu posto anterior disse que entre o século II antes de Cristo e o fim do século I da era cristã, os judeus compuseram um número muito importante de apocalipses. Além disso, disse que apareceram mesmo verdadeiras colecções de obras, reunidas e difundidas à volta dum grande nome entre os antepassados: Henoc, Moisés, etc. O meu último posto era sobre os livros de Henoc. Este presente posto é sobre um outro livro de Apocalipse: Assunção de Moisés.

Assunção (ou Testamento) de Moisés:-

Dá-se este nome a um texto que provavelmente não é senão uma parte duma obra mais vasta, que devia originalmente compreender dois livros diferentes: o Testamento de Moisés e a Assunção de Moisés. O único texto que hoje conservamos desta obra corresponde ao género de “testamento”; provavelmente é preciso identificá-lo com a primeira mais do que com a segunda das obras referidas.
Tal como se apresenta, a referida Assunção de Moisés engloba uma profecia de tipo apocalíptico; Moisés tê-lo-ia redigido e deixado ao seu sucessor, Josué. Nele se descreve de novo a história do povo escolhido, da entrada em Canaã até ao fim dos tempos, por outras palavras, até ao período exacto em que viveu o autor real da obra.

Este texto é habitualmente datado do princípio do primeiro século cristão, ente o ano 3 antes de Cristo e o ano 30 depois de Cristo. Seria assim contemporâneo de Jesus e teria sido composto num meio de tendência farisaica: manifesta hostilidade para com os Saduceus e sentimentos fortemente nacionalistas. Nele se reflectem muitos aspectos da esperança judaica no tempo de Jesus.

Redigido primeiramente em hebraico ou em aramaico, esta obra foi conservada numa tradução latina, por sua vez feita sobre uma versão grega, de que se encontram alguns restos nos Padres gregos (Orígenes).

Daivadas V Thomas

quarta-feira, abril 30

Os livros de Henoc (Alguns livros de Apocalipse)
Entre o século II antes de Cristo e o fim do século I da era cristã, os judeus compuseram um número muito importante de apocalipses. Apareceram mesmo verdadeiras colecções de obras, reunidas e difundidas à volta dum grande nome entre os antepassados: Henoc, Moisés, etc. Os cristãos utilizaram-na de imediato, por vezes ao mesmo título que os próprios textos bíblicos; copiaram-na, traduziram-na e, por vezes, até a corrigiram de bom grado a seu próprio proveito. Paralelamente e no extremo oposto, os judeus da Sinagoga, definindo o seu cânon das Escrituras, rejeitaram-na e iriam ignorá-la totalmente. Estes livros ficaram a dever a sua conservação em exclusivo ao Cristianismo, que os rejeitou igualmente como “apócrifos”, quando por sua vez traçou também os limites canónicos da sua própria Bíblia. Os seguintes são alguns dos livros apocalipses. Os livros de Henoc, O livro dos Jubileus, Odes de Salomão, Os Testamentos dos Doze Patriarcas, Os oráculos sibilinos, Assunção de Moisés, O Apocalipse siríaco de Baruc, O quarto livro de Esdras.
Os livros de Henoc:- O patriarca Henoc, de quem o livro do Génesis diz que “caminhou com Deus” antes de ser levado para os céus (Gn 5, 24), o mesmo que o autor do Eclesiástico apresenta como “um prodígio de ciência para todas as gerações” (Ecli 44, 16), estava indicado para intervir com lugar de destaque na literatura apocalíptica. Colocado no horizonte mais vasto das tradições antigas, ele era, ainda por cima, na Bíblia, na sua qualidade de sétimo patriarca anterior ao dilúvio da tradição babilónica, Enmeduranki, tal como ele destinatário da revelação dos segredos divinos e pessoa a quem foram entregues as tabuinhas dos deuses. Assim, Henoc, o iniciado nos mistéris celeste, se tenha tornado num herói que dá o seu nome a um grande conjunto de apocalipses. Os restos da imensa literatura henoquiana chegaram até nós principalmente pela via de dois livros: o livro etíope de Henoc e o livro eslavo de Henoc.
O Livro etíope de Henoc: É um dos maiores apocalipses judaicos. Compilado em cinco partes, compreende cento e quatro capítulos de exortações e de profecias sobre o fim do mundo, textos dispersos na origem e em parte orais. O seu nome “Henoc etíope” vem-lhe do facto de ter sido em etíope que ele chegou completo até nós, por meio da Bíbia etíope que o contava como livro sagrado. È de origem palestinense, dum ambiente próximo dos fariseus. A sua língua original é o hebraico ou o aramico. A angelologia e a demonologia ocupam um lugar importante neste livro.
O livro eslavo de Henoc: É um livro tipicamente apocalíptico, escrito em grego, no século I da era cristã, por um judeu ou por um judeo–cristão palestinense e conservado em eslavo antigo. O patriarca Henoc realiza uma viagem através dos “sete céus” e recebe uma série de revelações. É-lhe descrito a criação do mundo e os segredos do futuro são-lhe desvendados.
Daivadas V Thomas

terça-feira, abril 29

«Cheio de zelo de Deus»

Como teria sido o encontro do jovem Saulo com o grande mestre Gamaliel e outros alunos em Jerusalém? Grande reverência e admiração gozava Gamaliel da parte dos alunos e do povo na Cidade Santa. O rabino era um homem de grande coração, de espírito compreensivo que, apesar de membro do Supremo Conselho, o Sinédrio, tinha defendido os Apóstolos, quando o Sumo Sacerdote os interrogou e os proibiu de ensinar em nome de Jesus. “Varões Israelitas, disse Gamaliel, considerai bem o que estais para fazer com estes homens… Agora aconselho-vos a que não vos metais com estes homens e que os deixeis. Porque, se esta ideia ou esta obra vem dos homens, por si mesma se desfará; mas se vem de Deus, não a podereis desfazer; assim não correis o risco de fazer oposição ao próprio Deus. Eles seguiram o seu conselho.” (Act. 5,35 ss)

Análise retórica de Filipenses

No meu post anterior, em que analisava a comunidade de Filipos do ponto de vista social, disse que era possível que a Epístola de Paulo que lhe é dirigida estivesse composta, tal como a conhecemos, por 2 ou 3 cartas originalmente separadas; esta é de facto a posição sustentada nas obras assinaladas na bibliografia desse post, excepto na de Barbaglio; também a introdução da Bíblia de Jerusalém é dessa opinião. Há quem diga serem esses fragmentos todos de Paulo, compilados mais tarde por outro editor; outros afirmam que Paulo foi escrevendo a carta em etapas sucessivas, acabando por misturar temas diferentes num todo não coerente, que enviou aos filipenses na primeira oportunidade que teve; outros dizem que contém acrescentos de discípulos do Apóstolo. Não satisfeito com isso, pedi a opinião do professor, que me indicou a tese de Bianchini, na qual acabei por me apoiar.
Recorri também a outras duas obras recentes, mas a de Edart veio a revelar-se favorável à ideia de boa parte do cap. 3 ser um acrescento de um editor que não Paulo, possivelmente o evangelista Lucas (defende até que este corrigiu o hino cristológico do cap. 2). Eu prefiro a ideia de integridade da epístola, que tanto Aletti como Bianchini sustentam, porque, além de à primeira vista não ter sido induzido a pensar numa compilação, fiquei satisfeito por estes dois autores convergirem no essencial, em obras bem estruturadas e que extraem conclusões teológicas muito positivas a partir da análise retórica que fazem. Analisando o modelo epistolar antigo, concluem que a haver junção de cartas, os editores não se preocupavam com o costurá-las coerentemente, mas apenas em preservá-las a todas no pouco papiro disponível.

Bianchini, depois de expor as propostas de dispositio favoráveis à compilação e as favoráveis à integridade da carta (estas de Rolland, Barbaglio, Bittasi e de um estudo antigo de Aletti), apresenta a sua própria proposta, que agora cito, com alguns acrescentos retirados de Aletti, do próprio Edart ou da minha autoria:
· Praescriptum (1,1-2):
- superscriptio: «Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus»;
- adscriptio: «todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com bispos e diáconos»;
- salutio: «graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo»;
- O facto de nesta carta os mitentes se apresentarem como servos é significativo do que virá depois, em que Cristo será chamado servo, e todos serão chamados à imitação d’Ele e, n’Ele, à imitação de Paulo e Timóteo.
· Prólogo: agradecimento inicial (1,3-11):
- aqui Paulo faz a típica acção de graças, iniciando com o verbo Eucharistô; desta vez a captatio benevolentiae que faz é extremamente exuberante, dado o amor que nutre pela comunidade, e a ajuda que desde o início esta lhe prestou. Preparam-se temas a desenvolver ao longo da epístola, tendo ao centro a comunhão e a caridade.
· Notícias autobiográficas (1,12-26) –sobre a situação de Paulo e seus propósitos;
- pode ser também considerada uma narratio, descrevendo a atitude de Paulo face à perseguição.
· Exortações gerais a viver conforme o Evangelho (1,27-30) – ligando-se à situação precedente e preparando as exortações seguintes: I. unidade (v. 27) e II. Resistir aos adversários (v. 28):
- O imperativo inicial marca a mudança: da recordação dos acontecimentos passa-se a uma exortação a levar uma vida digna do Evangelho, pondo em causa toda a vanglória e inveja que existiriam na comunidade.
· I. O exemplo de Cristo: exortações baseadas sobre o elogio de Cristo (2,1-18) para pensar a mesma coisa e buscar a unidade:
A - 2,1-5: exortação
B - 2,6-11: exemplo de Cristo (hino à Kenose)
A’ - 2,12-18: retomar da exortação
- Edart considera o hino como uma probatio em que Paulo tenta mostrar ao auditório o que deve ser a vida dos cristãos a partir da vida do próprio Cristo, que aceitou a debilidade da condição humana e a obediência até à morte de cruz, sendo depois exaltado por Deus.
· Notícias autobiográficas e acerca de Timóteo e Epafrodito (2,19-30):
- Alguns consideram que esta parte deveria pertencer a um bilhete anterior, mas é mais credível que sirva como outra prova do amor até ao esquecimento de si e ao arriscar a própria vida, atitude que Paulo quer ver nos filipenses. É uma digressão acerca destes dois personagens cujo comportamento ilustra a exortação do Apóstolo.
· O exemplo de Paulo: exortações baseadas sobre a periautologίa [auto-elogio] de Paulo (3,1-4,1); Resistir aos adversários, em duas etapas:
- Exortação a pensar correctamente:
A - 3,2: exortação a prestar atenção
B - 3,3 e 3,4-14: exemplos (auto-elogio de Paulo)
A’ - 3,15-16: retomar da exortação
- Alargamento da exortação: imitar os líderes:
A - 3,17: exortação
B - 3,18-21 (contraste: eles/nós)
A’ - 4,1: retomar generalizante da exortação
- A tese de Bianchini, centrada nesta perícope, por muitos considerada estranha ao resto da carta, esclarece a insistência de Paulo no seu próprio «eu», e na imitação de si a que convida os filipenses; tendo encontrado a sua nova identidade em Cristo, o Apóstolo fala de si como de um outro e propõe-se como modelo somente para que a comunidade reproduza o seu próprio itinerário de fé; é uma exaltação de si mas feita no interesse de quem lê e ouve, e para louvar o próprio Senhor, e não no interesse de quem escreve, por isso é legítima, sendo típica do epistolário da antiguidade. A partir da teologia da cruz (e da ressurreição) esboçada no primeiro e maior exemplo, o de Jesus (hino do cap. 2), Paulo pode gloriar-se, mas gloriar-se em Cristo e não na carne; Deus cumpre nele uma obra de configuração progressiva à imagem de Jesus, repetindo o seu itinerário de morte e ressurreição, e é isto que Paulo deseja que aconteça também com os seus interlocutores.
· Exortações particulares (4,2-9):
- Destaca-se um apelo a Evódia e Síntique, mulheres com responsabilidade na comunidade, a superarem as suas divergências, numa clara aplicação concreta do que Paulo dissera ao longo de toda a carta.
· Epílogo: agradecimento final com notícias autobiográficas (4,10-20):
- Alguns autores diziam não fazer sentido Paulo agradecer tão grande dom só no fim da carta, mas certamente para ele importava primeiro exortar os filipenses a uma conversão e um amor mais profundos, e só depois realçar aquilo que já tinham realizado (de resto, o elogio do prólogo já era de algum modo revelador do que viria agora).
· Postscriptum (4,21-23):
- Vê-se uma inclusão entre as duas partes iniciais e estas duas finais, com a nomeação dos santos, e o retomar, agora reforçado, do elogio já começado no prólogo.

Bibliografia
· Jean-Noël ALETTI, Saint Paul. Épitre aux Philippiens, Paris, J. Gabalda et Cie, Éditeurs, 2005 [Études Bibliques, nouvelle série nº 55].
· Francesco BIANCHINI, L’elogio di sé in Cristo. L’utilizzo della periautologίa nel contesto di Filippesi 3,1 – 4,1, Roma, Editrice Pontificio Istituto Biblico, 2006 [Analecta Biblica 164].
· Jean-Baptiste EDART, L’Épître aux Philippiens, Rhétorique et composition stylistique, Paris, J. Gabalda et Cie, Éditeurs, 2002 [Études Bibliques, nouvelle série nº 45].

domingo, abril 27

Na carta aos Tessalonicenses está plasmada a estrutura sequencial de uma carta da época:

Proescriptum inicial (1,1): Inclui o nome dos emissários e da comunidade destinatária e a saudação.

Exordium ou Proemio (1,2-10): Em forma de acção de graças a Deus, «Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações» (1,2) e introduz a temática fundamental da carta: Dá graças a Deus porque os Tessalonicenses fizeram-se imitadores do Senhor e souberam acolher a Palavra de Deus nas tribulações passando da escravidão dos ídolos ao serviço de «Deus vivo e verdadeiro».

Propositio (2,1-3,13): Aqui Paulo apresenta uma ampla memória sobre a comunidade quando estavam com ela, a equipa missionária fundadora, desde as origens até ao momento presente.

Esta memória tem o objectivo de animar a comunidade a permanecer fiel , ainda que no meio das dificuldades.

Esta parte conclui adequadamente com uma invocação e um pedido de fidelidade até à vinda do Senhor: «que Ele confirme os vossos corações irrepreensíveis na santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus com todos os seus santos.» (3,13)

Aqui termina a primeira parte e aparece a segunda (4,1-5,25): nela aborda directamente algumas dificuldades concretas da comunidade,nomeadamente, a preocupação que a comunidade tinha sobre o destino dos mortos.

Probatio (4,1-5,11): Começa por fazer um recordatório das instruções dadas e da missão fundamental, a da santificação (4,1-3).

Fala das deficiências no comportamento social e moral que deve ter a comunidade (4,4-12) «Exortamo-vos, irmãos, a progredir sempre mais, a ter como ponto de honra viver em paz, a ocupar-vos das próprias actividades, a trabalhar com as vossas mãos, como vos recomendámos, de modo que vos comporteis honestamente perante os de fora e não preciseis de ninguém»(4,11-12).

Peroratio (5,12-24): Tratada preocupação da comunidade relativamente ao destino dos mortos (4,13-18) e da vida dentro da comunidade (5,1-22).

Esta segunda parte conclui da mesma forma que a primeira, com uma invocação pedindo a fidelidade da comunidade até à parusia «Que o Deus da paz vos santifique totalmente, e todo o vosso ser - espírito, alma e corpo - se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é aquele que vos chama: Ele há-de realizá-lo.» (5, 23-24)

Postscriptum final (5,25-28): Na conclusão da carta, insiste de novo na comunhão da comunidade, e dá as últimas recomendações: que a carta seja lida a todos os membros da comunidade «Irmãos, orai também por nós. Saudai todos os irmãos com o ósculo santo. Advirto-vos no Senhor que esta Carta seja lida a todos os irmãos. A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco».