sexta-feira, maio 30

ANÁLISE RETÓRICA DA CARTA AOS FILIPENSES (IV)

A quarta secção que consta na Carta aos Filipenses é a propositio (1, 27 – 3,1).

A tese que Paulo sustenta é a unidade (e a ameaça a essa unidade) da comunidade de Filipos. Tal unidade traduzir-se-á na perseverança a um comportamento digno do anúncio do Evangelho (de que eles se tornaram colaboradores). Esse comportamento deverá ser particularmente irrepreensível face aos potenciais adversários, tomando como linha de referência o próprio apóstolo (1, 27-30). Porém, a exigência de tal comportamento não deverá descuidar os próprios laços internos da comunidade, preocupação contaste do apóstolo, nem deverá admitir divisões, jogos de interesses, ambições e vaidades (2, 1-4). Comenta a este propósito Gnilka: «A comunidade cristã pode parecer a muitos [adversários] algo de estranho. O seu destino [adversários], desde o princípio, é provocar escândalo e, portanto, hostilidade. Esta é a sua função […] percebe-se a sua [da comunidade] unidade quando os seus membros aparecem lado a lado, quando dão aos mãos, quando se ajudam. Paulo eleva esta unidade, que deve ser a sua marca, à categoria de sinal num sentido duplo: ela garante à comunidade a sua salvação e pressagia a derrota dos seus adversários»[1].
Para além do exemplo do apóstolo ser usada como exemplo da construção desta unidade, Paulo dá ainda um outro (este bem mais elucidativo) para justificar a sublimidade e a excelência da humildade e o seu impacto estruturante na rede de relações internas da comunidade cristã: o (conhecido) hino cristológico da kenosis do Filho de Deus. A humildade, que cada um deve ter para com os outros, é uma postura que caracteriza a configuração e a identidade do cristão. Paulo com isto é como desvalorizasse a sua própria pessoa como modelo para a comunidade, ou seja: mesmo que o apóstolo não lhes servisse de modelo, teriam um outro ainda maior e absolutamente inegável - o próprio Filho de Deus, principal vértice da sua fé (2, 5-11).
O trabalho de evangelização e da salvação da comunidade não se faz com «murmurações», nem «discussões», pois essa não é a atitude mais digna de quem é chamado a ser santo e é, de facto, filho de Deus. Esse será também um trunfo muito poderoso que a comunidade tem ao seu dispor no meio de «uma geração iníqua e depravada». Conservar essa dignidade e unidade na comunidade é estar a trabalhar para o anúncio do Evangelho e para a sua própria [da comunidade] salvação, até ao dia da vinda de Cristo. É, também, a alegria de Paulo.

[1] GNILKA, Joachim – Carta a los Filipenses. Barcelona: Editorial Herder 1971, pp. 34-35.

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