quinta-feira, abril 17

Quem são os «santos em Cristo Jesus que estão em Filipos» (Fl 1,1)?

A expressão está no endereço da carta e refere-se à eleição divina de que a comunidade fora objecto. Eles vivem numa cidade situada num antigo pântano que Filipe II da Macedónia mandara drenar para aí construir, a partir da antiga Krenides, um baluarte contra os trácios ao qual deu o seu nome. Mais tarde, após uma grande batalha de Marco António e Octávio contra os assassinos de César, Augusto fez dela uma colónia militar romana bem defendida; estava na Via Egnatia, por onde se circulava de Roma para Bizâncio; era rica em madeira (útil para os barcos) e tinha uma planície muito fértil; fora rica também em ouro e prata, mas estas riquezas estavam em declínio ao tempo de Roma. Os cidadãos tinham o direito à auto-administração, não pagavam o tributo a Roma e eram também cidadãos da Itália, privilégios habituais nas colónias de veteranos do exército imperial. A população autóctone não fora expulsa, continuando a falar o grego apesar de o latim ser o idioma oficial da cidade
Quando Paulo aí chega, em 48 d.C., Filipos tinha ainda o estatuto de colónia e era a primeira cidade do distrito da Macedónia (cf. Act 16,12). Havia uma pequena comunidade judaica, sem direito ou pelo menos sem condições materiais para ter uma sinagoga, possuindo apenas um lugar de culto nos subúrbios.
A comunidade cristã à qual Paulo escreverá cinco anos depois (e não só, pois pode ser que Filipenses esteja composto de duas ou até três cartas diferentes) não parece ter muitos judeus, mas pricipalmente pagãos convertidos – é o que se infere a partir da citação dos nomes helenístico-romanos de Epafrodito, Evódia, Síntique, Clemente, e das palavras de Paulo em 3,2s; Act 16 corrobora esta ideia, pois apenas refere como convertidos a casa de Lídia (uma abastada comerciante, temente a Deus e não judia) e a casa do carcereiro (funcionário certamente pagão), e como seguidora uma jovem criada, adivinha por sinal.
Estes pagano-cristãos apoiarão Paulo em Tessalónica (cf. Fl 4,15s) e Corinto (cf. 2Cor 11,9); trata-se certamente de uma comunidade generosa e agradecida a Paulo, com uma boa organização. Já vimos, a partir de Act, que tem irmãos de vários estratos sociais; alguns dizem que, dado terem contribuído monetariamente por várias vezes para a missão paulina, deveriam ter um certo desafogo financeiro, ou ser até uma comunidade rica. Mas o facto de serem perseguidos e de Paulo se referir a eles como estando na pobreza (cf. 2Cor 7, 1-2) leva a rejeitar essa ideia. Provavelmente, o discernimento que tiveram acima de todas as igrejas acerca da impossibilidade prática de Paulo se sustentar autonomamente (apesar de ser esse o seu desejo), a gratidão para com ele, e a comunhão experimentada desde o primeiro momento no anúncio do Evangelho, levaram a que, sempre que conseguiam juntar algo (talvez através dos «epíscopos e diáconos» [1,1]), o enviassem ao apóstolo por meio de emissários (como Epafrodito) que dariam apoio a Paulo também na evangelização.
Sofrem duras perseguições de adversários externos, provavelmente pagãos da cidade – talvez os mesmos que levaram a que Paulo fosse preso aí, devido à expulsão de um demónio que possuía a jovem adivinha certamente ligada às superstições romanas (cf. Act 16); o mesmo Paulo proclama em Fl 2,11 que «Jesus Cristo é Senhor (Kyriós)», título reservado ao Imperador, dando a entender o tipo de acusação que poderia ser feito pelos cidadãos aos cristãos locais (a não adoração do César como Kyriós).
Vemos que na comunidade há mulheres que participaram na evangelização, como Evódia e Síntique, desafiando certamente a hostilidade do ambiente; estas duas poderiam chefiar igrejas domésticas que se reuniriam nas suas casas (pode até dar-se o caso de alguma delas ser a Lídia de Act 16), parecendo ter entre si uma certa rivalidade. O hino do cap. 2 apela possivelmente à reconciliação de ambas, cortando o espírito sectário e as expressões de superioridade que poderiam estar a germinar entre os discípulos de Filipos; a humildade a que chama é pouco apreciada no ambiente helénico no qual estes tinham sido educados. Os pagãos preferem um certo judaísmo que opera prodígios e curas, o dos judaizantes que se criam já «perfeitos» (Fl 3, 15) e por aí tentariam atrair a atenção dos cristãos filipenses.
No entanto, é quase certo que os intentos deles não deram resultado, porque 50 anos mais tarde S. Policarpo chamará aos Filipenses uma «comunidade tipicamente paulina» (cf. Ad Fil. 1,2; 3,2; 11,3).

Bibliografia:
· Jürgen BECKER, Pablo. El apóstol de los paganos, Salamanca, Ediciones Sígueme, 1996.
· Giuseppe BARBAGLIO, As Cartas de Paulo (II), São Paulo, Edições Loyola, 1991.
· Miguel de BURGOS NUÑEZ, Pablo, predicador del Evangelio, Salamanca – Madrid, San Esteban – Edibesa, 1999.
· Jerome MURPHY-O’CONNOR, Paulo. Biografia crítica, São Paulo, Edições Loyola, 2000.Jordi SÁNCHEZ BOSCH, Escritos Paulinos, Estella (Navarra), Editorial Verbo Divino, 1999.

Sem comentários: