quarta-feira, fevereiro 20

O miúdo que gostava de escrever cartas

Tinha o porte de quem vinha para cumprir uma missão impossível mas tão possível, e de quem não queria outra coisa. Parecia um marroquino baixo, de cabelo rapado e com o olhar cheio de lâminas afiadas por uma grande paixão. Era misterioso mas bruto, louco mas silencioso e tão seguro. Tinha uma desinibição profundamente sólida e perspicaz. O castanho dos olhos era duro como os de um judeu que defende a sua amada lei com a espada desembainhada, mas também tinham o brilho leve da claridade de quem pensa sublimidades e a brancura das colunas do templo de Atenas. E assim eu ia percebendo porque é que tanto criava comunidades como rupturas pois, ao fim ao cabo, ele mesmo era uma comunidade de tantas coisas – até de dualidades e de paradoxos, e também de rupturas interiores.

Era um pequeno génio, de modos e palavras fracturantes como todos os génios. Terrivelmente cheio de carácter, de um carácter terrivelmente inteligente. Parecia que tinha conhecido Cristo na partilha cálida dos momentos banais e dos momentos especiais das suas vidas e parecia que tinha conhecido Cristo depois de tantos séculos passados no amadurecimento da Sua descoberta como redentor do universo. Naquele peito quase sujo e ferido de combatente a meio da batalha cabia um Jesus que era o seu amigo, o maior, o mais marcante, e o Jesus salvador cósmico, para quem a História e a Humanidade corriam.

Parecia um adolescente daqueles que pensam que podiam mudar o mundo, mas mudou-o mesmo. Agia e falava como quem tinha o segredo do mundo e da História, e tinha mesmo. Tinha uma das biografias mais bonitas do mundo, e sabia disso. Era um misto de guerreiro e de asceta. Era agridoce. E o castanho dos olhos era mole como os de quem sabe muito bem o que é e quem é a verdade.

1 comentário:

Lucilia disse...

Olá,Princesa.Achei muito interessante o título do teu texto, tendo em conta que se trata de PAULO de TARSO!
Apreciei a biografia - embora esta continue em construção.
Tens toda a razão em falares em rupturas;mas são precisamente elas que provocam os avanços!É de ruptura em ruptura que o futuro se constrói!