A Pregação segundo S. Paulo.
A pregação, instrumento de Deus.
O. Culmann sustenta que o padre Spicq insistiu sobre a dependência intrínseca da teologia bíblica em relação a exegese filosófica. A razão é óbvia, no sentido de que não se deve atribuir aos escritores bíblicos e a todos os autores as noções sugeridas no seu vocabulário, deve se ter em conta a contextualização e também o sentido das próprias palavras. O termo que S. Paulo emprega para designar a noção de «ser pregador» é importante. Duas ideais a ter em conta: a 1ª trata da adaptação do pregador e a sua função, e a 2ª tem a ver com a relação entre Deus e a palavra do pregador, palavra esta que é essencialmente palavra de Deus.
Portanto, apresento três pontos como linhas de desnvolvimento: 1- o ministério profético, 2- o título do pregador, 3- adaptação ao Apostolado; 4- A palavra de Deus.
1. Ministério profético: etimologicamente o termo profeta é «Phophetes» na tradução dos LXX e em hebraico é Nabi. Isso traduzia-se por aquele que é falador, anunciador, mas em hebraico encontramos o termo «Nabu», que significa falador; mas no código de Hammurabi o adjectivo verbal «Nabi» significa aquele que é «chamado», alguém que tem uma vocação. Vejamos êxodo 4, 15-16 Falar-lhes – ás e porás as palavras na boca dele. E eu estarei com a tua boca e com a boca dele, e ensinar-vos –ei o que deves fazer. Ele falará por ti ao povo: ele será para ti a boca, e tu serás deus para ele. De facto, vê-se que Moisés encontra-se diante de uma insuficiência em termos de fala, está sem capacidade, mas Deus toma a palavra e diz: Vê Eu faço de ti um deus para o faraó, e Aarão, teu irmão, será o teu profeta. Ora, a razão do ser da vocação do profeta «nabi» nesse caso, é que ele falará em nome de alguém e ao lugar daquele que o chamou. Então, Deus põe estas palavras sobre os lábios de Jeremias que escolheu para ser o seu «Nabi» no meio das nações. Cf. Êxodo 7, 1; Jer. 1, 5, 9.
Encontramos também, o elemento activo, implícito no termo «Nabi», e este é explicitado na tradução grega «Prophetes». A partícula «pro» deve ser entendido no sentido temporal, que quer dizer (predizer), mas no sentido substantivo, quer dizer falar em vez do outro.
Tomemos a figura de Jeremias, ele é um dos escolhidos por Deus, antes de nascer e já tinha sido consagrado ao seu ministério profético. Mas o profeta protesta da sua fragilidade com muita veemência. Ele hesita em aceitar a sua missão. Ora, Deus aparece como aquele que não discute, Ele apresenta –se como um consolador, comanda, mas na submissão do profeta a dúvida subsiste. Por outro lado, Jeremias revela este sentimento de rebelião. A sua pregação causa-lhe um sofrimento e as palavras divinas tornam-se como fogo de modo que ele estará disponível em exprimir o que quer que seja. «A mim mesmo dizia: não pensarei nele mais! Não falarei mais em seu nome, mas no meu coração a sua palavra era um fogo devorador encerrado nos meus ossos. Esforçava-me por conte-lo, mas não podia». Aqui vê-se a importância da palavra. (Jr 20, 9).
Jeremias profetiza em nome de Deus e a sua missão é bastante difícil, ele prega aquilo que de certo modo é desejado pelo seu auditório.
Contudo, a transcendência de Deus e o homem é grande. Em Ezequiel, temos o titulo «Filho do homem». «Disse-me. Filho do homem, põe-te de pé que vou falar-te. O Espírito penetrou em mim, enquanto me falava, e mandou-me pôr de pé; e ouvia alguém que me chamava». Dentro dessa transcendência também temos a proximidade, quer dizer que Deus apresenta como aquele que está distante e próximo.
O profeta é responsável pela sua mensagem enquanto anunciador, mas não é responsável pela recepção dessa mesma palavra, porque a sua recepção depende fundamentalmente do seu auditório, ou dos seus ouvintes. O profeta é apenas o instrumento de Deus cheio do Espírito Santo que lhe confere as qualidades necessárias para anunciar a palavra de Yahweh.
2. O título do pregador:
S. Paulo fala de si mesmo e dos seus apóstolos no que diz respeito ao título de profeta. Paulo considera a pregação como uma função essencial para ele. Cf. Cor 1, 17; 1 Timóteo 2, 5-7; o mesmo termo também é usado para os seus colaboradores. 2 Timóteo 4, 2; Tito 2, 15… Tito 4, 12; 5, 17. Cinco títulos deste se encontram na primeira secção da carta aos Coríntios que são intitulados com o verdadeiro conceito do apostolado cristão. ( 3, 4-4, 16): diakonos, 3, 5; sunergos 3, 9; hyperetes 4, 1, oikonomos 4, 1 apostolos 4, 9. Os outros são associados ao apostolado.
Paulo apresenta –se muita das vezes como apóstolo e doutor ou mestre. “ Tm 1, 11 «do qual eu próprio fui constituído arauto, apostolo e mestre».
Nos tempos homéricos, os arautos eram oficiais muito importantes e tinham uma função grande dentro da sociedade de então. Eles eram os amigos e companheiros do rei, todos os serviços que faziam eram de natureza pessoal.
Na época posterior, o significado do termo é completamente diferente, o termo arauto aparece como um servidor cuja função que lhe foi atribuída é de transmitir as informações.
Também era visto como embaixador, ele enquanto arauto tinha a função de responder e informar o que é dito, mas não tinham o poder de alterar seja o que for. Este termo, também tem uma conotação religiosa…
O termo tinha assim um carácter sagrado, uma vez que a violação da sua impunidade era um acto de impiedade…
«Apostolos» Apóstolo: este termo tem a mesma origem com o verbo apostellein «o enviado, longe, fora». O termo Apostolos é empregue 79 vexes no Novo Testamento com o sentido de enviado, esta acepção é muito rara no grego profano. Apostolo aparece uma vez nos LXX… Mas parece que para os escritores do Novo Testamento este termo não seja muito do uso corrente.
A noção fundamental de ser enviado parece ser empregue no corpo Paulino com uma referência nos casos indirectos, tais como na propagação da fé, e o direito a este titulo que Paulo revendica. Tudo isso, repousa no facto de Paulo ser um enviado (apostellein) por Cristo ressuscitado para pregar e revelar aos gentios o mistério de Cristo. (Cf. 1 Cor 1, 17; Gálatas 1, 16; Efésios 3, 8).
Paulo apresenta-se como aquele que merece o nome de ser apóstolo, não só por ser enviado, mas também por ter consciência de que foi um perseguidor da Igreja de Cristo. Por outro lado, o título de apóstolo também é dado a todos aqueles que aderem na fundação da Igreja de Tessalónica. Por isso, Apolo, Barnabé, Timóteo e Silvano têm direito de terem este título, ou seja, merecem ter este título pelo facto de se associarem a Paulo. Eles partilham como seu» ser enviado», isto quer dizer que, eles são os delegados de Paulo. O mandato de Paulo não é intermediado pelos homens mas vem do próprio Deus. É de acentuar que os primeiros cristãos foram escolhidos por Deus, na pessoa de Jesus Cristo… Cf. 2 Cor 5, 17-20. Para Paulo aqueles que são enviados também recebem o título de Apostellein.
Os sentidos de subordinação de dependência é também perceptível no apóstolo. Ele como apostolo deve cumprir uma missão. Apóstolos é um termo grego, mas o significado dum dos termos encontrado nos papiros é de passaporte, e em Paulo este termo diz-se que é sempre associado à palavra de Deus.
Doulos Christou, Theou «escravos de Cristo, de Deus»: Paulo usa este termo «escravo» para descrever uma condição social. Em grego esta palavra designa alguém que se encontra numa relação total de dependência com o outro, e cuja vontade é absolutamente ofuscada pelo seu mestre. Cf. 1 Cor 7, 21; 1 Tm 6, 1 etc.
Mas veremos que na tradução dos LXX escravos traduz-se quase sempre por ebed no seu sentido literal. Mas em razões de carácter absoluto do poder real, este termo será empregue e passa designar o sujeito livre dum rei, e em particular, os seus oficiais e ministros… Portanto, a relação do homem com Deus é concebido em termos de relação do sujeito a um soberano temporal, a palavra enquanto tal vem designar o estado do homem na sua absoluta dependência absoluta e a sua sujeição a Deus. Defende-se que este termo podia ser empregue a todos os Israelitas crentes.
Diaconos «servidor» ou aquele que serve».
Supõe-se que diáconos derive provavelmente da mesma raiz que diokos, onde se passa pelo sentido de serviço ou servidor. Este termo é extremamente raro nos LXX. Mas no contexto do Novo Testamento diákonos se aplica as pessoas domésticas que servem a mesa, e aos servidores de um rei, por outro lado, este termo também é utilizado para designar o ministro da Igreja.
Paulo é um dos autores que emprega mais este termo que os outros escritores do Novo Testamento. A propósito da evangelização de Corinto Paulo se apresenta também como «servidor», dali a relevância da compreensão literária daquilo que Paulo quer dizer. A ideia central reside no facto de que, se Timóteo se portar como Paulo terá certamente um bom conselho e será ainda um bom servidor de Cristo concretamente na sua acção de pregador, por isso, Paulo e seus colabores são chamados servidores de nova aliança. Cf. ( 1 Cor 3, 5; 2 Cor 11, 23 e 3, 6).
Paulo é o primeiro a aplicar o termo de «servidor» ao apostolado. Os sinópticos e João aplicam mais o menos dando o sentido de humildade, a única excepção encontra-se em Mateus 22, 13 e j. 2, 5, 9, mas mesmo ali o acento é sobre o serviço humilde.
Oikonomos «intendente»: a luz daquilo que se verificou nos textos anteriores, percebemos que esta palavra vai na linha ou no sentido de pregação à economia divina da salvação. Defende-se que parece natural encontrar este termo oikonomos aplicado ao pregador. No entanto traduz-se por intendente. Por outro lado, ela tem o sentido de escravo dum cidadão privado. Os intendentes dos reis helenísticos ocupavam as posições extremamente importantes na governação de vários territórios. Esta ideia não está longe da tradução feita pelos LXX onde intendente é traduzido por «al habbayt» «o mestre do palácio». Na era primitiva este termo tinha o sentido de intendente como funcionário dos bens dos reis. Este termo também se usava no império romano, mais com menos peso.
Sustenta-se que esses intendentes civis acabam por cumprir as obrigações religiosas na lógica das suas funções. Por exemplo vemos o seguinte em Lucas 12, 42 «O Senhor respondeu: quem será, pois, o administrador fiel e prudente a quem o senhor pôs à frente do seu pessoal para lhe dar, a seu tempo, a ração de trigo?».
Cristo também usa esta palavra para designar uma realidade concreta. Vejamos também Lucas 16, 1-8. Disse ainda Jesus aos discípulos: havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administra. O administrador disse, então, para consigo: que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração-geral não pode, de mendigar tenho vergonha…
Didaskalos «doutor»: Este termo no corpo Paulino aparece apenas duas vezes para designar um ofício eclesiástico e nos dois casos trata-se dum título de Paulo, associado ao apostolos. 1 Cor 12, 28 «e aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo, profetas; em terceiros, mestres; e sem seguida há o dom dos milagres, depois o das curas, o das obras de assistência, o de governo e o das diversas línguas». 1 Timóteo 2, 7 «Quando nos poderíamos impor como apóstolos de Cristo, fomos, antes afectuosos no meio de vós, como uma mãe que acalenta os seus filhos quando os alimenta». e 1, 2 «a Timóteo meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor».
No Novo Testamento «Doutor» é o título que se designa de certa maneira a Jesus, mas também parece muito difícil determinar o seu valor. Dentro de uma linguagem falada, a palavra devia ser «rabbi» … vejamos o que diz Mc: «tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias».
O retrato do pregador: o pregador é tido como um paradoxo. É homem do destino e ele não é mestre do seu destino. Ele é uma figura chave da salvação do mundo ou da humanidade. Ele ensina com muita delicadeza e liberdade. A mensagem que ele transmite é mesmo sua, mas apesar de ela ser sua não foi criada por ela, e não tem poder sobre ela. Escolhido entre os homens é gratificado com um título de honra. A chave do paradoxo se encontra no facto de ser o colaborar de Deus. O pregador aparece apenas como porta-voz do outro, aquele que fala em vez de. Ora, este outro é fundamentalmente Deus, por isso, é uma grande honra a pessoa ser escolhida para ser colaboradora de Deus. O pregador não é mais se não um intendente…
3- Adopção ao Apostolado: na concepção Paulina de pregador existe muitas afinidades com a noção Veterotestamentário do profeta. No relato da vocação profética marcou-se de facto, o gesto sacramental que tornou possível, certo a missão do profeta. Cf. Is 6, 5-7 «um dos serafins voou na minha direcção; trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz. Tocou na minha boca e disse: repara bem, isto tocou os teus lábios, foi afastada a tua culpa, e apagado o teu pecado!».
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário