sábado, maio 31
A justificação
Para se entender a oposição que Paulo estabelece entre justiça e a lei pela fé, é preciso recordar antes tudo que no AT da palavra justiça(tsedaqa) um sentido muito mais amplo que nas nossas linguas modernas.Para nós se trata da justiça distribuitiva, dar a cada um o que se lhe deve, e da justiça social, que regula as relações sociais. Para o At, a justiça abarca o conjunto de relações entre Deus e o hoomem no marco da aliança.Pelo que a justiça nos é uma virtude moral ao lado de outras virtudes como temperança, a bondade enfim.... É mesmo de dizer que esta Carta aos Gálatas continua a mexer ainda com as nossas comunidades hoje.
Tessalónica – volume 7
1 Tes 5,1
Por isso, os crentes devem estar atentos para não serem surpreendidos. Para descrever a “surpresa de Deus”, Paulo utiliza duas imagens bem significativas: Deus surpreende-nos como um ladrão que chega de noite, quando ninguém está à espera [v. 2]; e Deus é como as dores de parto que surgem “de repente” [v. 3]. Em consequência, a vida cristã deve estar marcada por uma atitude de preparação e de vigilância.
Para além da questão da data, o que é importante é que os cristãos vivam de forma coerente com a opção que fizeram no dia do seu Baptismo. Os crentes têm de viver de maneira diferente dos não crentes, pois os horizontes de uns e de outros são diferentes... Os não crentes vivem mergulhados na noite e nas trevas, estão adormecidos, atordoam-se com a bebida; vivem no presente, absolutamente despreocupados em relação ao futuro, de olhos postos no horizonte terreno. Os crentes são filhos da luz e do dia, estão vigilantes, mantêm-se sóbrios; vivem de olhos postos no futuro, à espera que chegue a vida plena que Deus lhes vai oferecer.
SUBI OUTRA VEZ A JERUSALÉM
Tessalónica – volume 6
a respeito dos defuntos,
para não vos contristardes como os outros,
que não têm esperança.
1 Tes 4,13
Um dos problemas teológicos que mais preocupava os tessalonicenses era a questão da parusia [regresso de Jesus, no final dos tempos]... Paulo e as primeiras gerações cristãs acreditavam que esse dia surgiria num espaço de tempo muito curto e que assistiriam ao triunfo final de Jesus. A este propósito os tessalonicenses punham, no entanto, um problema muito prático: qual será a sorte dos cristãos que morrerem antes da segunda vinda de Cristo? Como poderão sair ao encontro de Cristo vitorioso e entrar com ele no Reino de Deus se já estão mortos?
É então que Paulo escreve aos tessalonicenses, encorajando-os na fé e respondendo às suas dúvidas. Estamos no ano 50 ou 51. O texto que nos é proposto é parte desse esclarecimento sobre a parusia que Paulo incluiu na carta.
Antes de mais, Paulo confirma aquilo que, provavelmente, já antes havia ensinado aos tessalonicenses: que Cristo virá para concluir a história humana; e que todo aquele que tiver aderido a Cristo e se tiver identificado com Ele, esteja morto ou esteja vivo, encontrará a salvação [v. 14]. Se Cristo recebeu do Pai a vida que não acaba, quem se identifica com Cristo está destinado a uma vida semelhante; a morte não tem poder sobre Ele... Isto deve encher de esperança o cristão, mantendo-o alegre, sereno e cheio de ânimo.
Como é que se concretizará isso? Como é que aqueles que já morreram assistirão ao triunfo final de Cristo?
Paulo não é demasiado explícito, pois está consciente que se trata de uma realidade misteriosa, que foge à lógica e à linguagem humanas. De qualquer forma, para descrever a passagem do homem velho para a realidade do homem novo que vive para sempre junto de Deus, Paulo vai recorrer ao género literário “apocalipse”, um género literário que utiliza preferentemente a imagem e o símbolo [afinal, a linguagem mais adaptada para expressar uma realidade que nos ultrapassa e que não conseguimos definir e explicar nos seus detalhes]. O quadro que Paulo traça é o de que aqueles crentes que entretanto morreram ressuscitarão primeiro [“à voz do arcanjo”, “ao som da trombeta de Deus” – elementos típicos da escatologia judaica]; depois, em companhia de “nós, os vivos”, irão ao encontro do Senhor que vem na sua glória e permanecerão com Ele para sempre.
Tessalónica – volume 5
Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar.
1 Tes 2,7-8
O apóstolo começa por descrever o amor e o afecto de Paulo, Silvano e Timóteo pelos crentes tessalonicenses, recorrendo à sugestiva imagem da mãe... Os missionários foram “como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar” [v. 7b] e manifestaram aos tessalonicenses, em todos os momentos e situações, o seu amor, a sua ternura e o seu afecto. Fizeram-se pequenos, humildes e simples, e nunca trataram ninguém com aspereza ou sobranceria; manifestaram a todos a sua afeição, amaram todos com um amor serviçal e desinteressado; colocaram-se ao serviço da comunidade de forma total e incondicional e aguentaram todos os trabalhos e canseiras sem lamentos nem queixumes; partilharam com os membros da comunidade cristã, não só o Evangelho, mas a própria vida [v. 8]. Depois, Paulo faz referência à gratuidade com que os missionários actuaram... Além de pregarem o Evangelho, trabalharam “noite e dia” para não serem pesados para ninguém da comunidade [v. 9]. No que a Paulo diz respeito, é possível que este “trabalho” se refira ao ofício de tecedor de tendas de campanha, que ele provavelmente aprendeu na sua meninice, em Tarso, junto do seu pai. Esse ofício irá ajudá-lo a ganhar o seu sustento [nomeadamente em Corinto, quando Paulo esteve em casa de Priscila e Áquila – cf. Act 18,3] e fá-lo-á sentir-se identificado com todos os outros homens. O que interessa, no entanto, é que Paulo e os seus companheiros não pregaram o Evangelho por interesse pessoal, em vista de qualquer remuneração material. O que os moveu foi apenas o interesse do Evangelho e da salvação de todos os homens e mulheres.
Há ainda uma referência à forma como os tessalonicenses acolheram a Palavra anunciada por Paulo e pelos seus companheiros de missão: receberam-na “não como Palavra humana, mas como ela é realmente, Palavra de Deus”, que permanece activa no coração dos crentes e que os transforma [v. 13].
E cheguei ao terminus desta viagem
E lá está ele a elevar-se aos céus para gória de Deus Pai.
Combati um bom combate comigo e com Deus qual Jacob naquela Santa noite em que lutou com o Anjo do Senhor e se deixou ferir e abençoar por Ele. Perdia comigo e ganhei-a com Deus.
Ao finalizar este percurso ressoa um canto novo no coração dos crentes.
Quanto à próxima Viagem, depois desta só Roma, e por fim Jerusalém.
Falaram-me de um mendigo que vale a pena visitar...
MENDIGO ROMANO
De pernas cruzadas e de rosto por terra,
Do qual não se vislumbra qualquer traço.
Curvado, sem pretensões humanas
Estende apenas sua mão direita.
E no meio da noite daquela cidade,
A luz de um candeeiro cansado de iluminar as trevas,
Iluminou aquela figura,
E assim iluminada, alumiou o meu olhar.
Aquela imagem tão negra, iluminou a minha noite,
Rasgou as trevas interiores da minh'alma e
Lancei-me a ele da maneira que pude, trazendo-o comigo.
Agora, dou-to a ti que me escutas.
Para que vejas ali, Aquele que eu vi,
E saibas, com segurança, que Ele ressuscitou.
E vive em Ti.
Obrigado pelo caminho percorrido em conjunto.
Tessalónica – volume 4
Nos três primeiros capítulos da carta, Paulo agradece a Deus pela sua acção em favor da comunidade [cf. 1 Tes 1,1-3,13]. A comunidade nasceu e consolidou-se de forma tão prodigiosa e em tão pouco tempo, que é preciso ver em tudo isso a intervenção de Deus. O coração de Paulo de Paulo transborda, pois, de alegria e de agradecimento...
Tessalónica – volume 3
Paulo continua a longa acção de graças que começou no versículo 2. Acção de graças, porquê?
Porque à acção evangelizadora dos apóstolos [Paulo, Silvano, Timóteo] e do Espírito Santo, os tessalonicenses responderam com o acolhimento entusiasta do Evangelho. O nascimento para Cristo da jovem comunidade cristã de Tessalónica aconteceu num ambiente de alegria e de júbilo, apesar da hostilidade provocada pela oposição dos judeus e pela tensão entre os cristãos e as autoridades da cidade.
De resto, a alegria e o sofrimento fazem parte do dinamismo do Evangelho, desde o início... Cristo ofereceu a sua vida até à cruz para que a Boa Nova do Reino chegasse a toda a humanidade; Paulo imitou Cristo e anunciou o Evangelho no meio de dificuldades e perseguições; os tessalonicenses imitaram Paulo e receberam jubilosamente o Evangelho, apesar da hostilidade dos seus concidadãos; os crentes de toda a Grécia [“da Macedónia e da Acaia”, as duas províncias romanas da Grécia] imitaram os tessalonicenses e sofreram alegremente pelo Evangelho... Dessa forma, fica manifesto que o Senhor, os apóstolos e toda a Igreja partilham o mesmo destino: todos percorrem o mesmo caminho, iluminados pelo Evangelho, no meio da alegria e do sofrimento.
A história desta longa cadeia que vai de Jesus à Igreja mostra que o Evangelho se torna um dinamismo de vida e de salvação para todos os povos quando é acolhido na alegria, apesar do sofrimento e da perseguição.
Tessalónica – volume 2
Logo na saudação, o verbo principal é “eukharistéô” [“dar graças”]. Assim, fica logo claro quais os sentimentos e qual a atitude fundamental de Paulo, Silvano e Timóteo, os remetentes da carta: eles estão profundamente agradecidos e reconhecidos a Deus. Porquê?
Porque a acção de Deus se nota claramente na vida diária da comunidade cristã de Tessalónica. Diante da proposta do Evangelho, os tessalonicenses responderam generosamente, com uma fé activa, uma caridade esforçada e uma esperança firme [v. 3]. A “fé activa” traduz a realidade de uma adesão ao Evangelho que não se manifesta só em palavras, mas também em atitudes concretas de conversão e de transformação; a “caridade esforçada” dá conta de um amor que não é teórico mas é efectivo, e que se traduz em gestos de entrega, de partilha, de doação; e a “esperança firme” define essa confiança inabalável dos tessalonicenses em Deus e na vida nova que Ele reserva àqueles que O amam – confiança que, nem a hostilidade do mundo, nem as dificuldades da vida conseguem deitar por terra.
Na verdade, tudo isto resulta do facto de os tessalonicenses terem sido “escolhidos” por Deus [v. 4]. No Antigo Testamento, a “eleição” é um privilégio de Israel, escolhido por Deus de entre os outros povos, não em virtude dos seus méritos particulares, mas como resultado da graça e do amor de Deus; agora, são as comunidades cristãs de origem pagã que são objecto do mesmo privilégio, que tem a sua fonte no amor gratuito do Deus salvador.
O Evangelho que Paulo, Silvano e Timóteo anunciaram aos tessalonicenses não foi um discurso feito de belas palavras, inconsequente; foi uma Boa Nova de Deus, poderosa e transformadora, que encontrou eco no coração dos tessalonicenses que, pela acção do Espírito Santo, deu frutos de fé, de amor e de esperança [vers. 5a.b].
É por tudo isto que Paulo, Silvano e Timóteo louvam o Senhor.
Tessalónica – volume 1
Tessalónica era, no século I da nossa era, a cidade mais importante da Macedónia. Importante porto marítimo e cidade de intenso comércio, era uma encruzilhada religiosa, na qual os cultos locais coexistiam lado a lado com todo o tipo de propostas religiosas vindas de todo o Mediterrâneo.
Tessalónica foi evangelizada por Paulo durante a sua segunda viagem missionária, muito provavelmente no Inverno dos anos 49-50. Paulo chegou a Tessalónica acompanhado de Silvano e Timóteo, depois de ter sido forçado a deixar a cidade de Filipos. O tempo de evangelização foi curto – talvez uns três meses; mas foi o suficiente para fazer nascer uma comunidade cristã numerosa e entusiasta, constituída maioritariamente por pagãos convertidos. No entanto, a obra de Paulo foi brutalmente interrompida pela reacção da colónia judaica... Os judeus acusaram Paulo de agir contra os decretos do imperador e levaram alguns cristãos diante dos magistrados da cidade [cf. Act 17,5-9]. Paulo teve de deixar a cidade à pressa, de noite, indo para Bereia e, depois, para Atenas [cf. Act 17,10-15].
Entretanto, Paulo tinha a consciência de que a formação doutrinal da comunidade cristã de Tessalónica ainda deixava muito a desejar. A jovem comunidade, fundada há pouco tempo e ainda insuficientemente catequizada, estava quase desarmada nesse contexto adverso de perseguição e de provação [cf. 1 Tes 3,1-10]. Preocupado, Paulo enviou Timóteo a Tessalónica, a fim de saber notícias e encorajar os tessalonicenses na fé [cf. 1 Tes 3,2-5]. Quando Timóteo voltou e apresentou o seu relatório, Paulo estava em Corinto. Confortado pelas informações dadas por Timóteo, o apóstolo decidiu escrever aos cristãos de Tessalónica, felicitando-os pela sua fidelidade ao Evangelho. Aproveitou também para esclarecer algumas dúvidas doutrinais que inquietavam os tessalonicenses e para corrigir alguns aspectos menos exemplares da vida da comunidade.
Paulo no contexto das origens cristãs
As opiniões acerca de Paulo, distribuem-se por campos opostos.
Sentido favorável:
Um herético ibérico do séc. VII qualificou-o como encarnação do Espírito Santo
13º Apóstolo
Primeiro depois do único
Enfant Terrible das origens cristãs
Garante da liberdade de pensamento na Igreja
Fundador do universalismo
Inventor do cristianismo
«Jamais veio ao mundo, alguma coisa tão audaz» - Lutero
Desaprovação:
Os cristãos ebionitas do séc.II classificavam-no como apóstata da Lei
A literatura judaico-cristã das Pseudo-Clementinas repete a qualificação de «adversário, inimigo, impostor»
Renan acusa-o de responsável pelos desastres da teologia cristã
Nietzsche: é o protótipo de um des-evangelista
Ambos os campos reduzem e escondem a efectiva dimensão histórica do personagem. São etiquetas, formulações globalizantes que não chegam a transmitir o perfil real de um personagem certamente complexo como aquele de um fariseu que acabou por acreditar em Jesus Cristo. O dado mais seguro e concreto de que podemos partir, porque apoiado nos factos biográficos, é que viveu um verdadeiro paradoxo: de inicial adversário do cristianismo, torna-se ele próprio perseguido por ser cristão.
Paulo face a Jesus, à Igreja primitiva e ao Judaísmo
Quem quer fazer de Paulo o segundo fundador do cristianismo esquece um facto histórico elementar: que entre Jesus e Paulo existe no meio a comunidade cristã (aquela de Jerusalém, mas também outras na Galileia).
Por um lado, Paulo cita pouquíssimos ditos de Jesus (aqueles seguros são apenas três: 1 Cor 7,10 («Aos que já estão casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido»); 9,14 («Assim, ordenou também o Senhor, que aqueles que anunciam o Evangelho vivam do Evangelho»); 11,23-25 («Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pãoe, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.»»)) e nestes casos chama-o sempre «Senhor». Por outro lado, e sobretudo, reconhece explicitamente o seu débito para com a comunidade que o precedeu. Vê-se isso de várias formas:
· A preocupação pessoal de manter laços estratégicos com aqueles que aderiram a Cristo antes dele (Gal 2,2.9 «Mas subi devido a uma revelação. E pus à apreciação deles - e, em privado, à dos mais considerados - o Evangelho que prego entre os gentios, não esteja eu a correr ou tenha corrido em vão»)
· A recordação do credo comum (1 Cor 15,3-5: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos Doze»)
· O uso de textos que a crítica literária reconduz com toda a possibilidade a ambientes judeo-cristãos pré-existentes (Rm 1,3b-4ª «nascido da descendência de David segundo a carne, constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador pela ressurreição de entre os mortos, Jesus Cristo Senhor nosso»; Fil 2,6-11).
Decisivo para ele foi o triângulo formado por Jerusalém- Damasco- Antioquia. Nos Actos nós percebemos que a Igreja de Jerusalém tem um papel moderador face à emergência de grupos e sensibilidades (Estêvão – Act 6-7 -, por exemplo, critica o templo e a lei mosaica. Paradoxalmente está aqui em embrião o repensamento da mensagem cristã que Paulo vai depois levar a cabo).
É preciso reconhecer que a teologia de Paulo não só não despontou como um fungo no interior do cristianismo das origens, como não permanece num esplêndido isolamento. Paulo teve em vida uma série de colaboradores que condividiram com ele o seu destino e o seu pensamento (Barnabé, Timóteo, Tito, Epafras, Epafrodito, Títico, Clemente, Aquila; Lídia, Priscila, Febe, Maria, Júnia, Trifena, Trifosa, Pérsides, Júlia), e depois originou uma sucessiva tradição teológica atestada nas chamadas deutero-paulinas (2Ts, Col, ef, 1-2Tm, Tt) e nos autores posteriores (Inácio de Antioquia, Marcião, Justino, Ireneu de Lião).
Quem quisesse ver em Paulo um apóstata deveria recordar-se que ele não relegou nunca a sua matriz judaica. E não só se declara «circuncidado ao oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, um hebreu descendente de hebreus; no que toca à Lei, fui fariseu» (Fil 3,5), da «estirpe de Abraão» (2 Cor 11,22), mas chega a desejar ser «amaldiçoado, ser eu próprio separado de Cristo, pelo bem dos meus irmãos, os da minha raça, segundo a carne» (Rm 9,3), aos quais reconhece todas as particularidades distintivas: «Eles são os israelitas, a quem pertence a adopção filial, a glória, as alianças, a lei, o culto, as promessas. A eles pertencem os patriarcas e é deles que descende Cristo, segundo a carne» (Rm 9,4-5). Paulo condivide as mesmas Sagradas Escrituras (Rm 1,2), a mesma Fé monoteísta do Shemá (1 Cor 8,6), a mesma esperança do futuro «Dia do Senhor» (1 Cor 5,5; 1 Ts 5,2), a mesma concepção de fundo sobre Israel como povo eleito e amado de Deus, que o chamou «sem arrepender-se» (Rm 11,29). Ele continuaria certamente a definir-se «um judeu», ainda que «um judeu em Cristo».
Permanece o facto de Paulo ter sido incompreendido e fortemente atacado. Isto verificou-se por parte da Fé judaica (2 Cor 11,24: «Cinco vezes recebi dos Judeus os quarenta açoites menos um»). Em vários lugares Paulo foi alvo de contestação: Damasco, Antioquia da Pisídia, Tessalónica, Bereia, Corinto, Jerusalém.
Mas a oposição foi também mantida pelos judeo-cristãos, que sustinham outra hermenêutica do Evangelho. Ele chama-os, ironicamente, «super-apóstolos» (2 Cor 11,4-5.22-26) ou «intrusos, falsos irmãos, que furtivamente se intrometeram a espiar a nossa liberdade, aquela que temos em Cristo Jesus, a fim de nos reduzirem à escravidão» (Gal 2,4-5). Surge a pergunta: porque foi Paulo tão hostilizado? Aqui se coloca o complexo problema histórico e teológico do chamado «judeo-cristianismo», isto é, aquele sector do primeiro cristianismo de proveniência judaica que aceitou a Fé em Jesus Cristo mas a combinou com uma persistente observância da Torah ou de parte dessa.
Havia vários grupos dentre os judeo-cristãos (4 grupos, como vimos)
Um ponto nodal
Uma coisa é certa: Paulo repensa de forma pessoal e original o Evangelho cristão. Ele não se contenta com o dado recebido por tradição, mas reinterpreta-o com o seu génio próprio. De facto, como o diz um pouco enfaticamente Albert Scheweitzer, ele assegurou para sempre no cristianismo o direito de pensar! Paulo, mais do que qualquer outro, repensou a fundo a Fé cristã.
A questão é saber se a teologia de Paulo tem um centro e qual é ele. Enquanto a tese luterana clássica sustém a centralidade da justificação pela fé (Bultmann, Käsemann), outros dentre o protestantismo apontam para a união mística com Cristo (Wrede, Schweitzer, E.P. Sanders); outros sublinham ainda o valor da teologia da cruz (U. Wilckens, J. Becker) ou a dimensão apocalíptica da revelação de Deus em Cristo (J.C. Beker), ou a constante tensão para horizontes universalistas (Stendahl; Watson, J.D.G. Dunn), ou evidenciam o próprio Cristo como o factor objectivo e despoletador de toda a teologia do Paulo cristão (Cerfaux, Schnackenburg). Esta última escolha merece a nossa atençaõ, pois para Paulo é precisamente a descoberta da figura de Cristo e da sua valência soteriológica a constituir a causa, a origem e a fonte do seu ousado discuros sobre a Fé, sobre a justificação, a participação mística, o acontecimento cruz-ressurreição, e o destino universal do Evangelho.
Sem Cristo, Paulo continuaria a falar da fé em Deus, da sua revelação na história humana (especialmente de Israel), do messianismo, da Torah, da salvação… Mas sobre todos estes conceitos operou-se uma reconfiguração, reelaborados e inscritos numa síntese nova, pois cada um deles é caracterizado por uma semântica diferente da original. E a causa principal da nova percepção é Jesus Cristo, o qual redefine a fé em Deus, a história da salvação, etc.
Por isso é claro que a novidade do pensamento paulino está associada à determinante experiência que ele realiza sobre a estrada de Damasco, à qual acrescerá naturalmente um desenvolvimento do seu pensamento, condicionado aqui e ali por situações das Igrejas destinatárias e das suas tomadas de posição face a elas.
Quem é Jesus Cristo segundo Paulo? A posição daqueles que pretendem fazer de Paulo o fundador do cristianismo, porquanto teria transformado o Jesus palestinense em redentor, esbarra com dois factos incontornáveis:
· Já antes de Paulo Jesus era confessado ter morrido pelos nossos pecados (1 Cor 15,3: citação de uma confissão de fé anterior ao apóstolo)
· Paulo não define nunca Jesus como redentor (embora empregue o substantivo abstracto redenção, mas muito raramente – Rm 3,24; 8,23; 1 Cor 1,30 -, sabendo bem que ele não tem origem cultual, mas profana e social – o resgate de escravos ou prisioneiros) nem como salvador (apenas uma vez aplica a Jesus o termo sóter – Fil 3,20 – e fá-lo em referência não à obra histórica de Jesus, mas à sua vinda escatológica). Pelo contrário, a fórmula cultual acerca da morte pelos pecados adquire nele um acento personalista com a dicção «por todos, por vós, por nós, por mim, pelos ímpios» (2 Cor 5,14s; 1 Cor 11,24; 1 Ts 5,10; Gal 2,20; Rm 5,6).
O apóstolo condivide com o cristianismo primitivo, que lhe é anterior, a fé escandalosa que define Messias (Christòs) e por Senhor (Kyrios) não um soberano forte e glorioso, mas um obscuro galileu condenado à ignomínia da cruz, cuja glória em termos paradoxais se retém que lhe provenha apenas do facto de ter dado a vida pelos outros e de ter sido, precisamente por este motivo, inesperadamente ressuscitado dos mortos pelo próprio Deus. Pelo menos em grande parte, os primeiros cristãos retinham que Jesus tivesse morrido pelos nossos pecados (1 Cor 15,3) e que com a Ressurreição foi constituído Filho de Deus poderoso (Rm 1,4ª).
Além disso algumas primeiras formas de missão (judeo-cristãs no interior de Israel) terão existido antes de Paulo.
O judeu Paulo condivide com outros judeus uma fé sobre um certo judeu, certamente atípico, mas pertencente culturalmente a uma não-brilhante região palestinense daquele tempo. Certamente, do ponto de vista historiográfico, fica-se maravilhados que em pouquíssimos anos acerca de um certo galileu chamado Jesus se tenham podido dizer coisas do género!
De seu, Paulo sustém que este Jesus (Cristo e Senhor) seja o iniciador de uma nova estação da história e de uma nova identidade antropológica de contornos universalistas, eventualmente semelhante não a um rei como David, não a um profeta como Isaías, não a um legislador como Moisés, mas àquele que é anterior a todos estes: a Adão, primogénito da inteira humanidade (1 Cor 15,21-22.45-47; Rm 5,12-21). Por isso, com Cristo tem lugar uma nova criação (2 Cor 5,17; Gal 6,15).
Certamente Paulo não tem uma ideia gnóstica sobre Jesus, como se ele fosse um anjo que atravessou este mundo caduco. Ele sabe bem que Cristo descende de Abraão (Gal 3,16) e que foi precisamente o povo judeu a gerar o Cristo segundo a carne (Rm 9,4).
Mas os horizontes deste judeu singular que é Paulo vão muito além de Israel: a ele interessa-lhe o homem como tal, cada homem, prescindindo de qualquer distinção, ou pior qualquer contraposição cultural e religiosa. Confessa-o aos Romanos: «Tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes eu sou devedor» (Rm 1,14); e aos Coríntos admite: «Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus; com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei - embora não estivesse sob a Lei - para ganhar os que estão sujeitos à Lei; com os que vivem sem a Lei, fiz-me como um sem Lei - embora eu não viva sem a lei de Deus porque tenho a lei de Cristo - para ganhar os que vivem sem a Lei. Fiz-me fraco com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante» (1 Cor 9,20-23).
Se tem uma preferência é pelos gentios, aqueles que eram excluídos da consciência de Israel acerca da eleição. «É a vós, os gentios, que eu digo isto: exactamente como Apóstolo dos gentios que sou, enalteço este meu ministério, para ver se provoco o ciúme dos que são da minha carne e salvo alguns deles» (Rm 11,13-14). Nesta frase não se pode ver a sombra do anti-semitismo pois imediatamente a seguir Paulo chama a Israel «santas primícias e raízes», «boa oliveira» (Rm 11,16-24).
Que significava Cristo para Paulo? A nível de superfície podemos dizer que a seus olhos representava a superação da divisão entre judeus e gentios: não no sentido da eliminação da peculiaridade de Israel, mas no sentido da equiparação dos segundos aos primeiros. Toda a actividade missionária de Paulo, determinada pela sua adesão a Jesus, consiste precisamente nisto: em eliminar a distância que separa os Gentios dos Judeus, a fim de incluir os outros, os diversos, os distantes, na paridade do mesmo mistério de salvação.
O cristão Paulo retém que com a oferta total da sua vida feita por Cristo e com a sua Ressurreição, a graça de Deus não passa mais através de mandamentos e preceitos, e supera a grande ideia de libertação (nacional e política) conexa com o antigo êxodo. Esta constituía o fundamento da Torah, mas agora o fundamento é Cristo. O homem pode agora ser justo não em base a um comportamento moral, mas na simples aceitação pela fé do evento da morte e ressurreição válido para todos os homens e para cada um. A lei mosaica deixa de ser o critério distintivo da revelação de Deus e da identidade religiosa do homem.
A batalha de Paulo é em favor da inclusão.
Cristo e/ou a Torah
O evangelho e a missão de Paulo explicam-se por condições cristológicas e judaicas. Mas as cristológicas são as decisivas: elas não são um cumprimento de um mandato do Jesus terreno, visto Paulo não citar nunca esse mandamento, mas são consequência da fé no Cristo crucificado e ressuscitado, que supera toda a revelação anterior e coloca todos os homens num horizonte de paridade.
Paulo cultiva duas atitudes aparentemente inconciliáveis. Continua a considerar-se pessoalmente parte de Israel, suportando várias oposições que vêm daí e mantendo firme a típica fé judaica na salvação escatológica daquele povo. Por outro lado, considera que seja Cristo e não a Torah a configurar a nova comunidade dos eleitos de Deus. Nisto distingue-se de outros sectores do cristianismo primitivo, que retinham que Cristo e a Torah fossem mutuamente compatíveis. Para Paulo, Cristo é «o termo da Lei» (Rm 10,4) e , por isso, «se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas» (2 Cor 5,17). E, deste modo, considerando-se um judeu em Cristo, ele acabou por alienar as simpatias do seu povo, porque aceitou identificar Jesus com o Cristo. Toda a sua epistolografia denota o impacto da figura de Cristo. Gal 1,8: «até mesmo se nós ou um anjo do céu vos anunciar como Evangelho o contrário daquilo que vos anunciámos, seja anátema!»
Paulo representa a confirmação que se tinha iniciado uma nova hermenêutica do anúncio cristão, cujo fascínio e fecundidade não cessaram e resiste à domesticação.
já lestes São Paulo?
Esse enigma chamado Paulo
Um consenso muito amplo, que reúne as mais antigas tradições cristãs e os recentes dados das ciências hermenêuticas e históricas, afirma claramente que as Cartas de Paulo são os primeiros escritos cristãos que chegaram até nós. Esperar-se-ia que a nossa cultura, que vibra com a arqueologia das origens e o retorno às fontes, nos tivesse impelido para uma apropriação apaixonada e competente desse conjunto de textos fundamentais da identidade crente. Há que reconhecer, porém, que o grande Paulo permanece um autor desconhecido, mal amado e distante, mesmo para a maioria dos cristãos.
O uso litúrgico aproxima-nos, evidentemente, dos seus textos, lidos e relidos ao longo do ano. Mas a verdade é que, no contexto litúrgico, lêem-se trechos seleccionados ou sublinham-se frases teológicas, demasiado densas para o desbravar, necessariamente contido, de uma celebração. E, claro, os detalhes concretos que conferem unidade a cada carta são frequentemente deixados de parte. Como dizia o escritor Oscar Wilde, acerca dos limites do nosso conhecimento das Escrituras, «ouvimos lê-las demasiadas vezes, e mal demais, e toda a repetição é anti-espiritual». Mas também é verdade que permanece inquebrável e sempre actual a certeza de que a vitalidade da Igreja não se constrói sem o recurso ao pensamento de Paulo. Tornou-se uma espécie de slogan dizer que “Sempre que a Igreja é relevante, ela é Paulina”, e há aí muito de razão. Basta pensar na fecunda redescoberta, cheia de consequências, que a Teologia fez de São Paulo no século XX e que deixou uma marca decisiva no Concílio Vaticano II. Por isso, mesmo se Paulo não é ainda conhecido de maneira sistemática pelos cristãos, a verdade é que as suas palavras e imagens dão-nos já o melhor retrato daquilo que é o mistério da Igreja e da própria existência cristã.
A reactivação dos escritos de Paulo
Para chegar a Paulo é preciso atravessar uma floresta de ideias-feitas e preconceitos. Paulo é, como hoje se diz, um autor com “má imprensa”. É corrente ouvir que ele é um legalista, que perpetuou modelos patriarcais que desvalorizavam as mulheres, que tem uma fobia às questões do corpo e da sexualidade, que é um conservador em termos sociais, etc, etc. Já no séc.XIX, Ernest Renan escrevia num best-seller sobre Jesus: «O verdadeiro cristianismo, aquele que perdurará para sempre, vem dos Evangelhos e não das 13 cartas de Paulo. Paulo é um perigo, um escolho… Paulo é a causa dos principais defeitos da teologia cristã». E essa opinião deixou sementes. Muitas vezes se vê opor-se a linguagem de Jesus, parabólica e aberta, ao discurso teológico e pretensamente estreito de Paulo, num conflito de interpretações superficial e descabido.
Mas também se dá um facto paradoxal: multiplicam-se hoje os ensaios e leituras sobre Paulo e as suas Cartas, por parte de importantes nomes do pensamento contemporâneo. Se é verdade que, de Santo Agostinho a Lutero, de Karl Barth ao nosso Teixeira de Pascoaes, na teologia, na filosofia, nas expressões iconográficas ou na literatura, a pessoa e o pensamento de Paulo nunca deixaram de ser referenciais, também é verdade a surpreendente efervescência do panorama actual. O filósofo Alain Badiou publicou, no início dos anos 90, uma reflexão entusiasta sobre a figura de Paulo a que intitulou “São Paulo. A fundação do Universalismo”. A universalidade que Paulo prega não vem do que é já inerente e consubstancial ao indivíduo (a sua pertença a uma família, a una nação, a uma língua… traços que são necessariamente particularistas), mas de um Evento. O que produz a verdade sobre o homem e sobre todos os homens é agora um Evento e uma Proclamação que contrastam com a multiplicidade dos particularismos: a Morte e a Ressurreição de Jesus. A verdadeira universalidade constrói-se no compromisso com esse acontecimento que para Paulo é a chave de toda a história.
Em 1998, o filósofo italiano Giorgio Agamben orientou um seminário no Colégio internacional de filosofia, em Paris, onde escolheu comentar a Carta de São Paulo aos Romanos, porque, segundo ele, a hora da plena legibilidade dos escritos de Paulo finalmente chegou. A tese de Agamben é que, para Paulo, Cristo, sendo a finalidade da Lei, também representa o seu fim (término). A consequência é que o tempo messiânico pode deslocar os referentes do mundo: o que até aqui era a norma ou o quadro social deixa de valer só por si. O tempo messiânico é um estado de excepção que permite a transfiguração do mundo, a sua revisão.
Ainda mais recentemente, o filósofo esloveno Slavoj Žižek tem tornado a Paulo. Ele classifica o tempo actual como de “Crença suspensa”, pois a fé passou a ser vista como um segredo pessoal e quase obsceno, do qual é incorrecto falar. E contudo, escreve Žižek, a pergunta corriqueira, “és ou não um verdadeiro crente?”, tornou-se «talvez mais do que nunca» uma questão fundamental. Fascina-o em Paulo o seguinte: «Quando lemos as epístolas de Paulo, não podemos deixar de notar a sua indiferença relativamente a Jesus como pessoa histórica. Paulo desinteressa-se quase por completo dos actos particulares de Jesus, dos seus ensinamentos, das suas parábolas… Nos seus escritos, Paulo nunca se situa no campo da hermenêutica, nunca busca o sentido profundo desta ou daquela parábola ou acto de Jesus. O que lhe interessa não é Jesus como figura histórica, mas apenas a sua morte na cruz e a sua ressurreição de entre os mortos». A Paulo, diz o filósofo, interessa o cristianismo como ruptura, processo, tomada de posição.
Ainda relativamente a Paulo, um elemento curioso é o interesse que tem suscitado entre estudiosos judaicos. Jacob Taubes, que se define como um “paulino não-cristão”, talvez seja o autor da obra mais importante. Este rabino e filósofo alemão defende que Paulo operou uma revolucionária alteração dos valores em que o nosso mundo se funda. E poderíamos ainda citar, no universo judaico, as obras de Daniel Boyarin ou S. Ben-Chorin.
Uma coisa parece certa: passados dois mil anos do seu nascimento, Paulo confirma e adquire uma importância e um estatuto cultural do maior relevo. Este interesse deve representar para os cristãos uma responsabilidade, no sentido de não deixarem de frequentar Paulo e de se confrontar com ele.
Quem é Paulo de Tarso?
Não há, nem de longe, outra figura do cristianismo primitivo sobre quem saibamos tanto. E se compararmos com grande parte dos personagens que a Antiguidade consagrou, pensemos em Hesíodo, Homero ou Sócrates, o que podemos concluir é que a biografia do Apóstolo está muito melhor sustentada. Paulo é o homem das encruzilhadas. Viveu e operou em diferentes mundos, línguas e culturas. Desenvolveu uma presença, mais esporádica ou mais continuada, em centros urbanos importantes e distantes como Antioquia na Síria, Éfeso na Ásia Menor, Filipos, Corinto e Atenas na Grécia, culminando a sua obra em Roma, Itália. Um verdadeiro corre-mundos da Época Antiga! Em todos eles testemunhou, de maneira vibrante, a universalidade da salvação inaugurada por Cristo.
As fontes para a reconstrução biográfica de Paulo permanecem essencialmente duas: as cartas paulinas e os Actos dos Apóstolos. As Cartas de Paulo têm uma declarada finalidade pastoral, mas é verdade que os traços autobiográficos abundam, pois o Apóstolo compromete-se existencialmente com a sua pregação. Alguns preciosos versículos da 1Tes (1,1-10); o capítulo 16 da 1 Coríntios; o arranque da 2 Cor, bem como o núcleo constituído pelos capítulos 10 a 13; os capítulos 1 e 2 da Carta aos Gálatas; os capítulos 15 e 16 da importante Epístola aos Romanos; e alguns trechos de Filipenses: é verdade que este conjunto de passagens não bastaria, por si só, para narrar-nos a vida de Paulo, mas transmitem-nos em primeira pessoa a consciência apaixonada que ele tem de si próprio e da sua missão.
Que ficamos a saber da vida de Paulo por aí? Que Paulo pertence à tribo de Benjamim (Filp 3,5; Rom 11,1); foi Fariseu (Filp 3,5); viu a Cristo; considera-se o último testemunha da ressurreição (1Cor 15,8); Pouco depois da sua conversão, Paulo prega na Arábia (Gal 1,17), e sobe a Jerusalém somente três anos após se ter tornado discípulo de Jesus. Até lá ele não conhecido das Igrejas da Judeia. Reencontra Pedro e Tiago em Jerusalém (Gal 1,18-24). Sobe uma segunda vez a Jerusalém e reencontra de novo Pedro e Tiago, assim como João (Gal 2,1-10). Paulo estreita os laços com a comunidade de Jerusalém organizando em favor dela uma colecta (2 Cor 8,9). E manifesta a intenção de passar por Roma para se dirigir a Espanha.
Os Actos dos Apóstolos, de um ponto de vista estritamente biográfico, não deixam de ser lacónicos, pois não era esse o objectivo de Lucas, mais interessado em mostrar como o Evangelho, na força do Espírito, se move de Jerusalém até aos confins da terra (Act 1,8). No entanto, há traços da vida de Paulo que nos aparecem referidos apenas ali: Paulo é natural de Tarso da Cilícia (Act 21,39; 22,3) e é cidadão desta cidade (Act 21,39). De nascimento, Paulo é cidadão romano (Act 22,25-29). O seu nome judeu é Saul (Act 7,58 e 13,9). Ele estuda em Jerusalém aos pés de Gamaliel (Act 22,3). Paulo foi perseguidor em Jerusalém e assistiu à lapidação de Estêvão (Act 7,58). Foi baptizado por Ananias em Damasco (Act 9,17). De Damasco Paulo vem directamente em Jerusalém, e depois parte de lá para Tarso (Act 9, 26-30). Paulo é conduzido por Barnabé à Antioquia da Síria (Act 11,25), e é profeta e Doutor da Igreja de Antioquia (Act 13,1). Realiza a sua primeira viagem missionária na Ásia Menor (Act 13,1 a 14,28). Participa na Assembleia de Jerusalém entre a primeira e a segunda viagem missionária (Act 15,1-35). A segunda viagem missionária tem como plataforma Corinto (Act 15,36 e 18,22). A Terceira viagem missionária fixa a sua base em Éfeso (Act 18,23 e 21,16). Paulo é feito prisioneiro em Jerusalém, é conduzido a Cesareia e acompanhado a julgamento até Roma (Act 21,17 e 28,31).
Tanto Gal 1,17 como Act 9,3; 22,6 e 26,12 coincidem em que Damasco foi para Paulo o princípio dos princípios: experimentou a revelação do Senhor Ressuscitado, viu a Sua luz, e começou aí a sua conversão e vocação. É curioso que as Escrituras não referem que Paulo ia de cavalo ou caiu dele. A imaginação e a iconografia ocidentais é que introduziram esse elemento, pois a melhor maneira de representar a reviravolta de Paulo pareceu ser a de uma queda hípica aparatosa. Que a transformação foi grande, isso não há dúvida.
Sobre o seu fim, a morte em Roma, temos algumas referências esparsas da Antiguidade cristã. Eusébio cita o testemunho do bispo de Corinto, segundo o qual Pedro e Paulo teriam sido martirizados. Tertuliano indica que a execução foi semelhante à de João Baptista, ou seja, decapitação. O ano mais provável parece ser o de 67, pela simples razão de que essa data coincide com o fim da perseguição de Nero, mas pode ter acontecido entre 64 e 67.
Reconhecer Paulo
Quando Paulo morreu, o primeiro Evangelho, aquele de Marcos, provavelmente não tinha sido ainda escrito. O que faz dele o primeiro autor cristão. E não apenas isso. Nós possuímos de Paulo várias cartas, e é possível seguir a evolução do seu pensamento nos quinze anos que dura a sua actividade epistolar. No Novo Testamento é um caso único. Em década e meia de actividade intensa e de reflexão, o seu pensamento evolui, as motivações amadurecem, alteram-se os destinatários e as situações que ele enfrenta. A evolução do seu pensamento liga-se também a uma evolução da forma literária na qual ele se exprime. Se os primeiros escritos de Paulo são cartas simples, sem grande elaboração, o apóstolo passa a conhecer os recursos da oficina literária e a manejá-los, tornando-se um verdadeiro escritor.
Esta evolução é ainda mais interessante – e é certamente um factor que confere ao pensamento de Paulo um potencial de sedução muito forte - se tivermos em conta que o mundo paulino tem um centro que permanece imutável: a ressurreição de Jesus. «Se Cristo não ressuscitou a nossa pregação é vazia, e vazia também é a vossa fé» (1 Cor 15,12). Um centro fixo num pensamento móvel – assim se poderia descrever em grande parte o génio do apóstolo que inaugura o cânone cristão.
Percorrendo a sua biografia e o seu pensamento podemos definir Paulo com a com o adjectivo que os antigos gregos utilizavam para descrever o sábio. O sábio é um methórios, “aquele que está sobre a fronteira”. De facto, permanecendo judeu, ele foi também o cidadão de Roma e do mundo, com todas as condições para efectuar uma das operações mais criativas, geniais e complexas: a acção de tradução da mensagem cristã na cultura corrente do seu tempo. Paulo situa-se na dependência do acontecimento pascal protagonizado por Jesus de Nazareth e coloca-se, por inteiro, ao serviço do anúncio da novidade cristã. Mas fá-lo numa língua nova, recorre a novos conceitos e imagens, ousa o contacto com novos espaços. O cristianismo no tempo de Jesus era sociologicamente uma realidade campesina. Com Paulo ganhou a amplidão que o próprio Jesus prometera: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28,19-20). Tornou-se uma realidade urbana, cosmopolita, sem fronteiras.
E onde o anúncio do cristianismo chegava, exercia o seu poder transformador. No mundo das cidades greco-romanas onde os homens são desiguais por nascimento e onde os grupos sociais parecem separados por fronteiras raramente ultrapassáveis, a teologia inclusiva do cristianismo escreverá a diferença. O cristianismo podia oferecer a cada um uma nova consciência de si e a solidariedade real e simbólica de uma pertença comum. O Baptismo, quer dizer, a decisão de colocar a sua existência sob a senhoria de Cristo crucificado, pressupõe uma escolha pessoal e a aceitação de um novo caminho (cf. 1Cor 7). Cada baptizado reforça a sua singularidade por uma participação pessoal no mistério de Cristo. Doravante, «não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3,28). E falar desta nova realidade é falar do que está no cerne da experiência cristã.
(jtm)
NÃO VOLTAR A ESCRAVIDÃO
PAULO, DEFENSOR DOS GENTIOS
sexta-feira, maio 30
DEUS NÃO FAZ ACEPCÇÃO DAS PESSOAS
alguns "sítios" recomendáveis
http://www.bsw.org
http://www.torreys.org/bible
http://ntgateway.com
http://www.otgateway.com/index.htm
Página com outros endereços, fornecida pelo Pontificio Istituto Biblico
http://www.biblico.it/links.html
A inteligencia em Paulo
1 Cor 14, 12-17
A psicologia define inteligência como “capacidade de adaptação”. Na concepção paulina, a inteligência é capacidade de comunicação, é poder hermenêutico. É administradora dos dons do Espírito de forma a que sejam dons para os outros. Coloca a inteligência, a par do espírito, como protagonista da oração, como factor que proporciona a harmonia. É ela que dota a oração de compreensibilidade, que torna proveitoso para os outros a nossa vida interior. É a chave da porta. O Espírito que nos faz falar é assim o mesmo Espírito que nos faz pensar; pensar sobre o que falamos, sobre o modo de falarmos. A inteligência torna-nos partilháveis; é o “funil” de expressão que faz com que a embriaguez que o Espírito gera se torne comunicável.
A caridade segundo São Paulo
WALTER, Eugen – A Primeira Epístola aos Coríntios. Editora Vozes: Petrópolis, 1973. p. 232 - 245
Imitadores de Cristo
«Vós fizestes-vos imitadores nossos e do Senhor, (…) tendo-vos, assim, tornado um modelo para todos os crentes na Macedónia e na Acaia» (1 Tes 1,6-7)
«De facto, irmãos, vós tornastes-vos imitadores das igrejas de Deus, que estão na Judeia, em Cristo Jesus» ( 1 Tes 2,14)
Mas, como diz Michel Trimaille, na «Primeira carta aos Tessalonicensses» a imitação não significa uma decisão moral. Ninguém decide por si mesmo ser vítima da perseguição ou estar submetido ao sofrimento senão pela acção do Espírito Santo.
Os Tessalonicenses fixaram-se na história pelo seu testemunho de como souberam aceitar os sofrimentos e a perseguição por causa de Cristo. É um convite que Paulo faz às primeiras comunidades cristãs para que sendo imitadoras se tornem, por sua vez, modelos para outros. Desta forma também os Tessalonicenses se tornaram modelo para os crentes da Macedónia e da Acaia.
Para Paulo a «imitação de Cristo» realiza-se através da fé n’Ele. Esta «imitação» passa pelo nosso «viver em Cristo» que é igual ao nosso «existir em Cristo».
Cristo é a fonte, o modelo e o autor da vida cristã. A grande descoberta de Paulo foi a de Jesus, como Senhor de toda a sua vida. Esta descoberta leva a que cada um seja chamado a servir o « Deus vivo e verdadeiro» (1 Tes 1,9)
É por obra do Espírito que nos unimos e nos assemelhamos a Cristo, reproduzindo em nós a vida de Cristo, morto e ressuscitado.
Em Paulo abundam as expressões «cristoimitativas» que sublinham a identificação do cristão com Cristo:
-Vivemos com Cristo.
-Herdeiros com Cristo.
-Crucificados com Cristo.
-Morrer com Cristo.
-Sepultados com Cristo.
-Ressuscitados com Cristo.
-Glorificados com Cristo.
-Reinaremos com Cristo.
Ser cristão é um processo pelo qual Cristo «cresce em nós», tornando-nos participantes da sua própria identidade, da sua forma existencial, concretizada na vida de cada um.
A ARTE DE CONTEMPLAR A PARTIR DE PAULO
Além de sermos intrinsecamente maravilhosos, nós tornámo-nos melhores como pessoas inspiradas por Paulo de Tarso. Mais importante ainda, talvez seja perguntar: será que conseguimos parar de medir cada pensamento paulino que invade a nossa mente e, assim, nos tornarmos observadores silenciosos? Fazer uma pausa para olhar a partir de Paulo a nossa fé e a nossa adesão a Jesus Cristo pode marcar o início de um bom hábito que se tornará a competência mais importante que talvez venhamos a ter.
É urgente separar-mo-nos das pessoas vulneráveis que erradamente pensamos ser, percebendo que as nossas aparentes desqualificações podem transformar-se nas próprias qualificações que são um farol a guiar os navios das nossas vidas. Se Deus é a nossa vida verdadeira, a força está connosco. Estamos verdadeiramente bem como estamos.
HELENA FRANCO
2008-05-30
Primeira Carta aos Coríntios
A comunidade de Corinto era aquilo que podemos designar por uma comunidade doméstica. A casa, na antiguidade, governada pelo pater familias, era o elemento chave da vida da cidade e do Estado, no Império romano, sendo a família a base fundamental da estrutura social. Toda a vida decorria ao redor da casa, fosse ela urbana ou rural, era nela que a família levava a cabo as actividades para a sua subsistência, tratava dos negócios, sendo também um local de reunião e de convívio intra ou extra-familiar. Mesmo no plano religioso, a casa ocupava um lugar central. Apesar da religião oficial – do Estado, diríamos – marcada pelas grandes celebrações litúrgicas de veneração às principais divindades, o espírito religioso passava muito pela religião doméstica onde eram venerados os lares os manes e os penates, divindades do lar, particulares e os espíritos dos antepassados.
Dizendo que a Igreja de Corinto era uma comunidade doméstica, não nos estamos a colocar no âmbito do que acima no referente aos cultos pagãos, contudo, a tomada de consciência desta tradição religioso-cultural, no império, abre horizontes para a primeira radicação do cristianismo nascente. O cristianismo é uma religião sem “templo”, no sentido o que o judaísmo atribuía a este conceito, por outro lado, cedo, as sinagogas, local de reunião e pregação, se tornaram hostis. É na casa que o cristianismo primitivo encontrará o seu topos sendo a família o primeiro núcleo religioso. A domus assume o papel de base difusora do cristianismo, sendo que para isto em muito contribuiu a sua importância na sociedade, bem como a sua flexibilidade para acolher uma minoria religiosa e permitir a sua irradiação.
Contexto de tessalonicenses
O caminho vai seguro, mas leva-me mais longe.
Tessalónica fora fundada em 315 a.C. por Cassandro, general de Alexandre Magno, que lhe dera o nome de sua mulher, Tessalonike. O poeta Antípatro canta a sua cidade como "mãe de toda a Macedónia". Em 146 a.C. foi elevada a capital da província romana da Macedónia.Com um porto de mar importante e atravessada pela Via Egnácia, que estabelecia a ligação de Roma com a Ásia Menor, Tessalónica era um ponto de encontro entre o Ocidente e o Oriente e uma cidade cosmopolita, com uma multiplicidade de cultos, entre os quais o da sinagoga judaica.
Começou com o pouco, pequeno e possivel, ainda que tenha ousado ir mais longe.
Colocou-se onde devia estar para poder chegar a todos.
Semeou em muitos lugares mas principalmesnte onde podia fundar fundo.
A palavra frutificou e de certa forma morreu para dar a vida e a dar em abundância, já não como texto mas como contexto, um contexto novo, fundado em Cristo.
1 Tess 2,13 - Por isso, damos continuamente graças a Deus, porque, tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de homens, mas como ela é verdadeiramente, palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais.
A Palavra quando acreditada, transforma-se em contexto para comunidade, e texto para quem conseguir ver.
Primeira Carta aos Coríntios
A Primeira Epístola aos Coríntios fornece-nos os dados mais precisos acerca da vida das comunidades da Igreja primitiva, em meados do primeiro século da era cristã. Por outro lado e curiosamente, é uma das cartas mais citadas e até um dos livros mais referenciados da própria Bíblia, em especial o, assim chamado, “Hino da Caridade”. De facto este escrito possui um conteúdo rico, inclui passagens acerca da eucaristia (cf 1Cor 11), dos carismas do Espírito Santo (cf 1Cor 12), do Amor/Caridade (cf 1Cor 13) e da ressurreição do corpo (cf 1Cor 15). Além disso, 1Cor 1, 18 versa sobre a mensagem da cruz; 2, 10 acerca da relação entre Deus Pai e o Espírito Santo; 3,8 acerca do trabalho e das recompensas e 3, 11-15 é considerada uma referência para a existência do Purgatório. Em 1Cor 6, 19 Paulo chama os nossos corpos de Templos do Espírito e, em 8, 6-7, expressa uma das verdades essenciais da/para a fé cristã – “para nós, contudo, um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos”. Uma das passagens mais reconfortantes surge em 10, 13, aí o apóstolo assegura que não seremos provados acima das nossas forças.
Contudo, não pensemos que esta carta é apenas um tratado acerca de vários temas de teologia, como acima afirmámos, este escrito reporta-se a questões concretas que se levantaram na particular comunidade de Corinto, aos quais Paulo, seu fundador, ao ser questionado, responde. No entanto, é necessário realçar também que o apóstolo, no texto que temos entre mãos, não o faz de uma forma “inocente”, A Primeira Epístola aos Coríntios, insere-se num ciclo de correspondência entre o missionário e a comunidade, mas está redigida segundo os cânones da boa retórica clássica. Paulo não deixa nada ao acaso e nada descura, no que toca a cativar os seus “filhos” para a verdade.
NÃO SE ESQUECER DOS POBRES
PAULO: O DISCURSO DA LOUCURA DE DEUS
“Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. […] Porque a loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens.”
(1 Cor 1, 18-25)
Cristo não é fracassado. Um Deus crucificado não é uma “contradição” senão para a sabedoria do mundo nem é uma “ideia”. [2] Quer dizer, o cristianismo só faz sentido mediante a cruz de Cristo. A cruz e o Crucificado não são tanto objecto de teologias clássicas, que constituem propostas para a racionalidade inerente à organização do pensamento dogmático, isto é frio e desapaixonado, mas de uma teologia relacional.
O “evangelho da cruz” perturba a consciência humana e transforma-a. É que o “evangelho da cruz” não é senão o do amor apaixonado de Deus aos homens. Neste evangelho, Deus revela o seu julgamento e também a sua salvação.
Paulo de Tarso, no quadro do cristianismo primitivo, representa a tradição kerigmática que vê na morte e na ressureição de Cristo o acontecimento central da salvação e propõe a “teologia da cruz” como uma nova hermenêutica que parte à descoberta da morte do Nazareno. [3]
A “teologia da cruz” é o princípio estruturante do discurso paulino. Segundo este princípio, Paulo mostra que na sua “loucura”, Deus é mais sábio que os homens, e na sua fraqueza, é mais forte do que eles.
A palavra “cruz” não significa morte, mas ressureição. A “teologia da cruz” é a mesma da “esperança”, da “glória” e da “ternura”.
[1] Trata-se aqui de apresentar um capítulo sobre Paulo do meu trabalho académico com referências claras à teologia da relação ou da ternura para a disciplina de Cristologia. (FRANCO, Helena Gouveia Franco, A Cruz-Cristologia, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Teologia, Mestrado Integrado em Teologia, Lisboa, 2007).
[2] Ao contrário da afirmação de Feuerbach: “um Deus crucificado é uma contradição ridícula e uma ideia miseramente condenada” (FERREIRA, José de Freitas, “Cruz, sinal de contradição” in A cruz sinal de Redenção, Lisboa: Didaskalia 1986, p 6.
[3] Cf. Lição de Jean Zumenstein dada a 7 de Novembro de 2000 na Faculdade de Teologia protestante de Montpellier, por ocasião da abertura do ano académico. (“Paul et la théologie de la croix” in http:// www.revue-etr.org/)
A retórica de Paulo
Mais do que Logos Deus ousou tornar-se linguagem.
O problema da retórica de Paulo na 1ª carta aos tessalonicensses apesar de complicada não é complexa. O meio em que se move Paulo nesta carta não é adverso como o é por exemplo na carta aos gálatas e na 2ª carta aos Corintios.
a qui a contínua acção de graças de Paulo, a Deus , pelos tessalonicenses manteém a carta de um modo vivo e fulgurante e por isso atento.
Vemos isso nos versículos:
1,2 - Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações
2,13 - Por isso, damos continuamente graças a Deus, porque, tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de homens, mas como ela é verdadeiramente, palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais.
3, 9 - Que acção de graças poderemos nós dar a Deus por toda a alegria que gozamos, devido a vós, diante do nosso Deus?
Paulo capta a atenção e a benevolencia do "auditório", pois lhes dá valor e se lhes dá retóricamente valor, recebe como consequencia não só a simpatia mas a empatia dos tessalonicences.
A retórica é feita não só das tecnicas, que nos chegaram até aos dias de hoje, mas também do conhecimento da situação e dos problemas que nele se encontram.
Este "know how" é co-implicativo destas duas realidades de que falei.
Segundo a tradição paulina ele não seria um homem de grande presença física, mas a escrita permitiu perpétuar a sua presença.
GÁLATAS : ANÁLISE SOCIAL
A PROPÓSITO DE DUAS OBRAS
A primeira, editada em 1983 pelas edições dehonianas de Bolonha, é da autoria de Rinaldo Fabris, intitulada: Lettera al Filippesi. Struttura, Commento e Attualizzazione. Consta de um total de 134 páginas e encontra-se dividida em oito secções (com a respectiva introdução da carta) no seguinte esquema de apresentação: introdução (pp. 27-36) – dividida em duas partes: a primeira sobre Fil. 1, 1-2; e a segunda sobre 1, 3-11; primeira secção (pp. 37-46) sobre 1, 12-26; a segunda secção (pp. 47-50) sobre 1, 27-30; a terceira secção (pp. 51-74) sobre 2, 1-11; a quarta secção (pp. 75-81) sobre 2, 12-28; a quinta secção (pp. 83-88) sobre 2, 19-30; a sexta secção (pp. 89-111) sobre 3,1 – 4,1; a sétima secção (pp. 113-120) sobre 4, 2-9 e, por fim, a oitava secção (pp. 121-129) sobre 4, 10-23. Em cada uma das secções consta uma estrutura literario-temática, seguida de um comentário ao texto em análise (o que parece ser útil do ponto de vista de investigação), concluindo com uma actualização desse segmento textual (o que parece ser útil do ponto de vista pastoral). No fim de cada secção o autor disponibiliza alguma bibliografia.
A segunda, editada em 1998 pela Westeminter John Knox Press, reúne uma colectânea de ensaio (dos mais variados títulos) sobre Filipenses 2 (ou inspirados neste capítulo), cuja direcção é de Ralph P. Martin e Brian J. Dodd. Tem por título «Where Christology Began» e consta de um total de 169 (Bibliografia incluída).
ANÁLISE RETÓRICA DA CARTA AOS FILIPENSES (VI)
A peroratio contém, como espécie de remate final, uma exortação à comunidade na vivência dos sentimentos que o apóstolo aludia na sua tese (cf. 1, 27 – 3,1) e que são a garantia da unidade e da sua salvação para o dia da vinda de Jesus (vv. 5, 8-9). Ainda nesta síntese conclusiva da comunicação estabelecida, Paulo agradece à comunidade a colecta que esta lhe enviou por intermédio de Epafrodito (vv. 10-21). E é de notar, tendo em conta aos vv. 15-16, que de facto são profundos os laço de amizade que ligam os Filipenses a Paulo.
No postscriptum percebemos que Paulo não está sozinho na prisão. Alguns «irmãos» estão com ele.
ANÁLISE RETÓRICA DA CARTA AOS FILIPENSES (V)
Que argumentos sustentam a tese paulina da unidade (e consequentemente a ameaça dessa unidade)?
O v. 2 dá-nos um primeiro argumento: «cuidado com esses cães, cuidado com esses maus trabalhadores, cuidado com os falsos circuncisos!». Portanto, temos esboçada a questão dos partidários da circuncisão dentro da comunidade – aqueles que prestam culto a Deus gloriando-se na carne e entendendo que para se ser cristão era impensável que não se seguisse os costumes de Moisés. Comentando a questão da carne, Gnilka sublinha que «esta se refere ao mundo e concretamente ao mundo como auto-segurança, na tentativa de alcançar nele a autonomia e a salvação. Mas deste modo o homem vê-se preso e remetido à precariedade da sua própria confiança»[1]
A este argumento Paulo contrapõe com um segundo (que se estenderá dos vv. 4-15): que a circuncisão é irrelevante para o culto a Deus. Só Cristo importa, pois com Ele surgiu uma nova realidade e que o que estava para trás, já não tem qualquer importância. Paulo corre para a meta que o conduzirá a Cristo, de tal modo que tudo o que tinha algum valor para ele, deixou de o ter. A ressurreição de Jesus e a fé na sua [de Paulo] ressurreição – expressão da comunhão com Cristo – é o decisivo na vida de Paulo. O apóstolo reforçará este argumento, apresentando-se como modelo para a comunidade (v. 17) e lembrando-a que a sua pátria está no céu (v. 20): «esta orientação não pretende desligá-los das suas responsabilidades terrena, mas só fazer-lhes conscientes de que aqui são peregrinos, de que não se podem confundir o céu e a terra como pretendiam fazer os adversários»[2] E em relação à questão da carne: será transfigurada por Cristo (v. 21), por isso não deve ser motivo de preocupação para a comunidade.
[1] GNILKA, Joachim – Carta a los Filipenses. Barcelona: Editorial Herder 1971, pp. 59-60.
[2] Ibidem, p. 69.